quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Como falar poesia - Leonard Cohen

Toma a palavra borboleta. Para usar esta palavra não é preciso fazer a voz pesar menos que uma onça ou adorná-la com pequenas asas empoadas . Não é preciso criar um dia de sol ou um campo de narcisos . Não é preciso apaixonar-se, nem apaixonar-se por borboletas. A palavra borboleta não é uma borboleta real. Uma coisa é a palavra, outra a borboleta. Se as confundires as pessoas terão o direito de rir-se de ti. Não faças muito com a palavra. Estás tentando sugerir que amas as borboletas melhor do que os outros, ou compreender realmente a sua natureza? A palavra borboleta é apenas um dado. Não é uma oportunidade para adejar, voar, amigar-se com flores, simbolizar beleza e fragilidade, ou personificar de qualquer forma uma borboleta. Não representes palavras. Nunca representes palavras. Nunca tentes elevar-te do chão quando falares de voar. Nunca feches os olhos e inclines a cabeça para o lado quando falares de morte. Não fixes teus olhos ardentes em mim quando falares de amor. Se quiseres impressionar-me ao falares de amor, põe a mão no bolso ou sob tuas roupas e brinca contigo mesmo. Se a ambição e a fome de aplausos levaram-te a falar de amor, tens que aprender a fazê-lo sem aviltar a ti mesmo ou o material.

Que expressão nosso tempo exige? Nosso tempo não exige expressão alguma. Temos visto fotografias de mães asiáticas enlutadas. Não estamos interessados na agonia de teus destrambelhados órgãos. Não há nada que possas estampar em teu rosto que possa igualar o horror da nossa época. Melhor nem tentar. Só vais conseguir o desprezo de quem tem sentido as coisas profundamente. Temos visto nos noticiários homens no extremo da dor e do abandono . Todo mundo sabe que tens comido bem e também que estás sendo pago para estar em cena. Estás diante de pessoas que viveram uma catástrofe. Isto deveria deixar-te muito quieto. Fala as palavras, transmite os dados, não apareças. Todo mundo sabe que estás sofrendo. Não tens que dizer à platéia tudo que sabes sobre o amor a cada linha em que falares de amor. Sai da frente e eles saberão o que sabes, porque eles já o sabiam. Não tens nada a lhes ensinar. Não és mais belo que eles. Não és mais sábio. Não grite com eles . Não tentes entrar à força. Isto é sexo ruim. Se mostrares as linhas de tua genitália, então entregues o que prometeste. E lembra-te que as pessoas realmente não querem um acróbata na cama. De quê precisamos? De estar perto do homem natural, de estar perto da mulher natural. Não imagines que és um cantor amado com um vasto público fiel que acompanhou os altos e baixos de tua vida até este momento. As bombas, os lança-chamas, e toda a merda destruíram mais do que árvores e aldeias. Também destruíram o palco. Achas que tua profissão escaparia da destruição geral? Não há mais palco. Não há mais ribalta . Estás no meio do povo. Então sê modesto. Fala as palavras, transmite os dados, não apareças. Sê sozinho. Sê teu próprio quarto. Não te coloques à frente.

Isto é uma paisagem interior. É dentro. Privado. Respeita a privacidade do material. Estas peças foram escritas em silêncio. A coragem da performance é dizê-las. A disciplina da performance é para não violá-las. Deixa o público sentir teu amor pela privacidade, mesmo que não haja privacidade. Sê uma boa puta. O poema não é um slogan. Ele não pode te divulgar. Não pode promover tua reputação de sensibilidade . Não és um garanhão. Não és um assassino de mulheres. Há todo um lixo sobre gangsters do amor. És um aprendiz da disciplina. Não representes as palavras. As palavras morrem quando as representas, definham, e sobra apenas a tua ambição.

Fala as palavras com a exata precisão de quem confere uma listagem de lavanderia . Não fiques emotivo por uma blusa rendada. Não fiques de pau duro ao dizeres calcinha, não fiques todo arrepiado só por causa da toalha. Os lençóis não devem produzir uma expressão sonhadora em teus olhos. Não é preciso chorar no lenço. As meias não estão lá para te lembrar de estranhas e longínquas viagens. São apenas tuas roupas lavadas. Apenas tuas roupas. Não fiques espiando dentro delas. Use-as, apenas.

O poema não é nada mais que informação. É a Constituição do país interior. Se o declamares e o fizeres explodir com nobres intenções então não és melhor que os políticos que desprezas. És apenas alguém levantando uma bandeira e apelando à mais barata espécie de patriotismo emocional. Pensa na palavra como ciência, não como arte. Elas são um relatório. Estás falando em uma reunião do Clube de Exploradores da National Geographic Society. Essas pessoas conhecem todos os riscos do alpinismo. Elas te honrarão se não te esqueceres disto. Se ficares insistindo neles será um insulto à sua hospitalidade. Fala da altura da montanha, do equipamento que usaste, sê específico sobre as superfícies e o tempo que te custou a escalada. Não procures causar na audiência suspiros e ais. Se alcançares suspiros e ais não será um resultado da tua apreciação do evento, mas da deles. Virá das estatísticas e não do tremor da voz ou das mãos cortando o ar. Virá dos dados e da silenciosa organização da tua presença.

Evita o floreio. Não tenhas medo de parecer fraco. Não te envergonhes do teu cansaço. Ficas bem quando estás cansado. Ficas como poderias ser sempre. Agora vem para os meus braços . És a imagem da minha beleza.


In Death of a Lady's Man (1978) –
http://homepage.usask.ca/~mid422/lcmisc.htm
Tradução de Roberto Mallet.

Um comentário:

Andrea Seabra disse...

Maravilhos. para quem escreve, para quem cuida, para quem vive...