segunda-feira, 18 de maio de 2009

G. K. Chesterton: Porque me converti ao catolicismo

Embora eu seja católico há apenas alguns anos, sei que o problema "por que sou católico" é muito diferente do problema "por que me converti ao catolicismo". Tantas coisas motivaram minha conversão e tantas outras continuam surgindo depois... Todas elas se colocam em evidência apenas quando a primeira nos dá o empurrão que conduz à conversão mesma.

Todas são também tão numerosas e tão diferentes umas das outras, que, no final das contas, o motivo originário e primordial pode chegar a parecer quase insignificante e secundário. A "confirmação" da fé, vale dizer, seu fortalecimento e afirmação, pode vir, tanto no sentido real como no sentido ritual, depois da conversão. O convertido não costuma recordar mais tarde de que modo aquelas razões se sucediam umas após as outras. Pois breve, muito breve, este sem número de motivos chega a se fundir em uma só e única razão.

Existe entre os homens uma curiosa espécie de agnósticos, ávidos esquadrinhadores da arte, que averiguam com sumo cuidado tudo o que em uma catedral é antigo e tudo o que nela é novo. Os católicos, ao contrário, outorgam mais importância ao fato de se a catedral foi construída para voltar a servir como o que é, quer dizer, como catedral.

Uma catedral! A ela se parece todo o edifício de minha fé; desta minha fé que é grande demais para uma descrição detalhada; e da que, com grande esforço, posso determinar as idades de suas diversas pedras.Apesar de tudo, estou seguro de que a primeira coisa que me atraiu ao catolicismo, era algo que, no fundo, deveria ter me afastado dele. Estou convencido de que vários católicos devem seus primeiros passos à Roma à amabilidade do defunto senhor Kensit.

O senhor Kensit, um pequeno livreiro da City, conhecido como protestante fanático, organizou em 1898 um bando que, sistematicamente, assaltava as igrejas ritualistas e perturbava seriamente os ofícios. O senhor Kensit morreu em 1902 por causa das feridas recebidas em um desses assaltos. Logo a opinião pública se voltou contra ele, classificando como "Kensitite Press" os piores panfletos anti-religiosos publicados na Inglaterra contra Roma, panfletos carentes de todo são juízo e de toda boa vontade.

Lembro especialmente agora estes dois casos: alguns autores sérios lançavam graves acusações contra o catolicismo, e, curiosamente, o que eles condenavam me pareceu algo precioso e desejável.

No primeiro caso —acredito que se tratava de Horton e Hocking— mencionavam com estremecido pavor, uma terrível blasfêmia sobre a Santíssima Virgem de um místico católico que escrevia: "Todas as criaturas devem tudo a Deus; ma a Ela, até mesmo Deus deve algum agradecimento". Isto me sobressaltou como um som de trombeta e me disse quase em voz alta: "Que maravilhosamente dito!" Parecia com se o inimaginável fato da Encarnação pudesse com dificuldade encontrar expressão melhor e mais clara que a sugerida por aquele místico, sempre que soubesse entendê-la.

No segundo caso, alguém do jornal "Daily News" (então eu mesmo ainda era alguém do "Daily News"), como exemplo típico do "formulismo morto" dos ofícios católicos, citou o seguinte: um bispo francês havia se dirigido a alguns soldados e operários cujo cansaço físico lhes tornava dura assistência na Missa, dizendo-lhes que Deus se contentaria apenas com sua presença, e que lhes perdoaria sem dúvida seu cansaço e sua distração. Então eu disse outra vez a mim mesmo: "Que sensata é essa gente! Se alguém corresse dez léguas por mim, eu estaria muito agradecido, também, que dormisse em seguida em minha presença".
Junto com estes dos exemplos, poderia citar ainda muitos outros procedentes daquela primeira época em que os incertos indícios de minha fé católica se nutriram quase com exclusividade publicações anti-católicas.

Tenho uma clara lembrança do que veio em seguida a estes indícios. É algo do qual me dou tanto mais conta quanto mais desejaria que não tivesse ocorrido. Comecei a marchar para o catolicismo muito antes de conhecer àquelas duas pessoas excelentíssimas a quem, a este respeito, devo e agradeço tanto: ao reverendo Padre John O'Connor de Bradford e ao senhor Hilaire Belloc; mas o fiz sob a influência de meu acostumado liberalismo político; o fiz até na toca do "Daily News".

Este primeiro empurrão, depois de dever-se a Deus, deve-se à história e à atitude do povo irlandês, apesar de que não haja em mim uma só gota de sangue irlandês.

Estive apenas duas vezes na Irlanda e não tenho nem interesses ali nem sei grande coisa do país. Mas isso não me impediu de reconhecer que a união existente entre os diferentes partidos da Irlanda deve-se no fundo a uma realidade religiosa, e que é por esta realidade que todo meu interesse se concentrava nesse aspecto da política liberal.

Fui descobrindo cada vez com maior nitidez, conhecendo pela história e por minhas próprias experiências, como, durante longo tempo se perseguiu por motivos inexplicáveis a um povo cristão, e continua odiando-lhe. Reconheci então que não podia ser de outra maneira, porque esses cristãos eram profundos e incômodos como aqueles que Nero jogou aos leões.

Creio que estas minhas revelações pessoais evidenciam com claridade a razão de meu catolicismo, razão que logo foi se fortificando. Poderia acrescentar agora como continuei reconhecendo depois, que a todos os grandes impérios, uma vez que se afastavam de Roma, passava-lhes exatamente o mesmo que a todos aqueles seres que desprezavam as leis ou a natureza: tinham um leve êxito momentâneo, mas logo experimentavam a sensação de estar enlaçados por um nó, em uma situação da qual eles mesmos não podiam se libertar. Na Prússia há tão pouca perspectiva para o prussianismo, como em Manchester para o individualismo manchesteriano.

Todo mundo sabe que a um velho povoado agrário, arraigado na fé e nas tradições de seus antepassados, espera-lhe um futuro maior ou pelo menos mais simples e mais direto ou pelo menos mais simples e mais direto que aos povos que não têm por base a tradição e a fé. Se este conceito se aplicasse a uma autobiografia, seria muito mais fácil escrevê-la do que se fosse esquadrinhar suas diversas evoluções, mas o sistema seria egoísta. Eu prefiro escolher outro método para explicar breve, mas completamente o conteúdo essencial de minha convicção: não é por falta de material que atuo assim, mas pela dificuldade e escolher o mais apropriado entre todo esse material numeroso. Entretanto tratarei de insinuar um ou dois pontos que me causaram uma especial impressão.

Há no mundo milhares de modos de misticismo capazes de enlouquecer o homem. Mas há uma só maneira entre todas de colocar o homem em um estado normal. É certo que a humanidade jamais pôde viver um longo tempo sem misticismo. Até os primeiros sons agudos da voz gelada de Voltaire encontraram eco em Cagliostro.

Agora a superstição e a credulidade voltaram a expandir-se com tanta vertiginosa rapidez, que dentro de pouco o católico e o agnóstico se encontrarão lado a lado. Os católicos serão os únicos que, com razão, poderão chamar-se racionalistas. O próprio culto idolátrico pelo mistério começou com a decadência da Roma pagã apesar dos "intermezzos" de um Lucrécio ou de um Lucano.

Não é natural ser materialista e tampouco sê-lo dá uma impressão de naturalidade. Tampouco é natural contentar-se unicamente com a natureza. O homem, pelo contrário, é místico. Nascido como místico, morre também como místico, principalmente se em vida foi um agnóstico. Enquanto que todas as sociedades humanas consideram a inclinação ao misticismo como algo extraordinário, tenho eu que objetar, entretanto, que uma só sociedade entre elas, o catolicismo, leva em conta as coisas cotidianas. Todas as outras as deixam de lado e as menosprezam.

Um célebre autor publicou mais uma vez uma novela sobre a contraposição que existe entre o convento e a família (The Cloister and the hearth). Naquele tempo, há 50 anos, era realmente possível na Inglaterra imaginar uma contradição entre essas duas coisas. Hoje em dia, a assim chamada contradição, chega a ser quase um estreito parentesco. Aqueles que em outro tempo exigiam a gritos a anulação dos conventos, destroem hoje sem dissimulação a família. Este é um dos tantos fatos que testemunham a seguinte verdade: que na religião católica, os votos e as profissões mais altas e "menos razoáveis" —por assim dizer— são, entretanto, os que protegem as melhores coisas da vida diária.

Muitos sinais místicos sacudiram o mundo. Mas uma só revolução mística o conservou: o santo está ao lado do superior, é o melhor amigo do bom. Toda outra aparente revelação se desvia por fim a uma ou outra filosofia indigna da humanidade; a simplificações destrutoras; ao pessimismo, ao otimismo, ao fatalismo, à nada e outra vez ao nada; ao "nonsense", à insensatez.

É certo que todas as religiões contêm algo bom. Mas o bom, a quinta essência do bom, a humildade, o amor e o fervoroso agradecimento "realmente existente" para com Deus, não se encontram entre elas. Por mais que as penetremos, por mais respeito que lhes demonstremos, com maior claridade ainda reconhecemos também isto: nos mais profundo delas há algo diferente do puramente bom; há às vezes dúvidas metafísicas sobre a matéria, às vezes havia nelas a voz forte da natureza; outras, e isto no melhor dos casos, existe um medo da Lei e do Senhor.

Se exageramos tudo isto, nasce nas religiões uma deformação que chega até o diabolismo. Só podem ser suportadas enquanto se mantiver razoáveis e medidas.

Enquanto estiverem tranqüilas, podem chegar a ser estimadas, como aconteceu com o protestantismo vitoriano. Pelo contrário, a mais alta exaltação pela Santíssima Virgem ou a mais estranha imitação de São Francisco de Assis, seguiriam sendo, em sua quinta-essência, uma coisa sadia e sólida. Ninguém negará por isso seu humanismo, nem desprezará a seu próximo. O que é bom, jamais poderá chegar a ser Bom DEMAIS. Esta é uma das características do catolicismo que me parece singular e ao mesmo tempo universal. Esta outra a segue:

Somente a Igreja Católica pode salvar o homem da destrutiva e humilhante escravidão de ser filho de seu tempo. Outro dia, Bernard Shaw expressou o nostálgico desejo de que todos os homens vivessem trezentos anos em civilizações mais felizes. Tal frase nos demonstra como os santarrões só desejavam —como eles mesmos dizem- reformas práticas e objetivas.

Agora bem: isto se diz com facilidade; mas estou absolutamente convencido do seguinte: se Bernard Shaw tivesse vivido durante os últimos trezentos anos, teria se convertido há muito tempo ao catolicismo. Teria compreendido que o mundo gira sempre com a mesma órbita e que pouco se pode confiar em seu assim chamado progresso. Teria visto também como a Igreja foi sacrificada por uma superstição bíblica, e a Bíblia por uma superstição darwinista. E um dos primeiros a combater estes feitos tivesse sido ele. Seja como for, Bernard Shaw desejava para cada um uma experiência de trezentos anos. E os católicos, muito ao contrário de todos os outros homens, têm uma experiência de dezenove séculos. Uma pessoa que se converte ao catolicismo, chega, pois, a ter de repente dois mil anos.

Isto significa, se o presenciamos ainda mais, que uma pessoa, ao se converter, cresce e se eleva ao pleno humanismo. Julga as coisas do modo como elas comovem a humanidade, e a todos os países e em todos os tempos; e não somente segundo as últimas notícias dos diários. Se um homem moderno diz que sua religião é o espiritualismo ou o socialismo, esse homem vive integramente no mundo mais moderno possível, quer dizer, no mundo dos partidos.

O socialismo é a reação contra o capitalismo, contra a insana acumulação de riquezas na própria nação. Sua política seria de todo diversa se fosse vivida em Esparta ou no Tibet. O espiritualismo não atrairia tampouco a atenção se não estivesse em contradição deslumbrante com o material estendido em todas as partes. Tampouco teria tanto poder se os valores sobrenaturais fossem mais reconhecidos.

Jamais a superstição tem revolucionado tanto o mundo como agora. Só depois que toda uma geração declarou dogmaticamente e de uma vez por todas, a IMPOSSIBILIDADE de que haja espíritos, a mesma geração deixou-se assustar por um pobre, pequeno espírito. Estas superstições são invenções de seu tempo —poderia se dizer em sua desculpa—. Já faz muito, entretanto, que a Igreja Católica tenha aprovado não ser ela uma invenção de seu tempo: é a obra de seu Criador, e continua sendo capaz de viver o mesmo em sua velhice como em sua primeira juventude: e seus inimigos, no mais profundo de suas almas, perderam já a esperança de vê-la morrer algum dia.

G. K. Chesterton

(In http://www.acidigital.com/biografias/vidas/chesterton1.htm)

Léon Bloy

Léon Bloy (11.07.1846-3.11.1917) foi um dos maiores escritores católicos modernos. Peregrino do Absoluto, Mendigo Ingrato, escreveu diários, romances, ensaios. Era uma alma profética, um espírito de fogo. Praticamente desconhecido entre nós, transcrevo abaixo alguns parágrafos seus, parte de um material que reuni para um espetáculo que talvez nunca venha a fazer. Fica então esta página, como homenagem a esse grande homem, que muito li e que muito me inspirou, e como substitutiva do espetáculo (por ora) abortado. Todos os textos retiro da tradução de Octávio de Faria,in "Léon Bloy", Gráfica Record Editôra, Rio de Janeiro, 1968.


Sei bem que nasci em tal época, em determinado lugar e que, entre os homens, tenho um nome. Tive pai e mãe, tive irmãos, amigos e inimigos. Tudo isso é indubitável, mas ignoro o nome de minha alma, ignoro de onde veio e, por conseguinte, não sei absolutamente quem sou. Quando ela deixar meu corpo, este se reduzirá a pó. E as queridas criaturas que me sobreviverão, chorando, herdeiras de meu reconhecimento, não poderão me designar em suas orações senão pelo nome de empréstimo que serviu a me separar um pouco dos outros mortais...

Deveríamos encontrar-nos hoje, em virtude de um decreto divino, muito anterior à criação dos dias. Pois assim acontece com todas as coisas, já que o acaso, deus dos imbecis, não existe. Deveríamos nos encontrar por motivos certamente admiráveis, tendo em vista um acontecimento desconhecido, cuja esperança embebeda os Céus. Será necessária toda a eternidade para admirar a absoluta indizível beleza das coisas que não somos nós mesmos a fazer. E sabeis que jamais fazemos o nosso destino... Ah, se soubéssemos, realmente, que não existem coisas pequenas e quanto tudo o que se passa é grande, seria para morrer de deslumbramento.

Li que um grande senhor do século XVIII tinha em seu castelo salas tão ricas que não havia jeito de cuspir senão no rosto do proprietário. É o que acontece ao Verbo encarnado. Fez o universo tão belo que só ficou a sua dolorosa Face para ser ultrajada. Então, por que fazer cerimônia? Tudo o que fica à sua volta tem um inapreciável valor. A própria esterqueira faz crescerem batatas que valem dinheiro e que são vantajosas para engordar porcos. Poderá haver um instante de dúvida na escolha?

Judas, que foi muito caluniado, mesmo por São João, que o acusa de ter sido um ladrão, Judas era simplesmente uma vítima do Absoluto. E foi por isso que foi, tão tolamente, devolver o dinheiro aos Príncipes dos Sacerdotes, em vez de pô-lo a render juros, como o teria feito um qualquer moderno burguês católico de Amsterdã ou de Roterdã.

O visível é o rastro dos passos do invisível.

Chegamos a esse formidável e absolutamente estranho momento em que, Deus tendo sido expulso de toda parte, nenhum homem saberá mais para onde ir...

Deus existe ou Deus não existe. Se se lhe concede a existência, é preciso concedê-la efetiva, supondo uma infinita continuidade da Criação, o que implica a onipotência absoluta no conhecido e no desconhecido, no visível e no invisível. Se o Ato criador se interrompesse, no mesmo instante o mais duro granito e todos os metais se reduziriam a poeira, e essa própria poeira não subsistiria. Não haveria mais nada. A natureza inteira se dissolveria no ininteligível vazio. Se esse postulado não for admitido, é-se forçosamente um ateu ou um imbecil, o que aliás é equivalente, do ponto de vista estético.

Nenhum homem pode ver senão o que está em si mesmo. Se vemos a Via-Láctea, é que ela existe verdadeiramente em nossa alma. Depois disso, que os senhores astrônomos digam tudo o que bem entenderem. Faz passar o tempo e é menos tolo do que jogar manilha ou fazer experiências de aviação. Penso obstinadamente que um Pater, dito com fé, por um homem muito humilde, tem mais poder para perfurar o espaço que o mais gigantesco dos telescópios e que tudo o que não é Oração é ilusão!

A maldição das criancinhas! A muito curta narração dos Evangelhos que se refere ao massacre dos Inocentes em Belém impressionou de tal modo o mundo que nenhum acontecimento histórico o ultrapassa na lembrança dos homens. Foi como que um pavor único, um meteoro de horror, difícil de admitir. Os artistas que ensaiaram traduzir a seu modo a espantosa concisão do Texto sacro parecem ter sido tomados por uma estranha paralisia. "Quem quer que receba em meu nome um desses pequenos", disse Jesus, "é a mim mesmo que recebe". O que pensar então daquele que os degola, que os mutila, ou que inflige às suas almas puras uma tristeza mais negra do que a morte? A maldição de uma única criança é uma coisa terrível, sobre-humana, que desconcerta até os mais fortes. O coração humano não foi feito para suportá-la. Mas, a maldição de uma multidão de crianças, é um cataclisma, um prodígio de terror, uma cadeia de montanhas sombrias no céu, com uma cavalgada de raios e trovões em seus cumes. É o infinito dos gritos de todos os abismos, é um não sei quê de altamente poderoso que não perdoa e que extingue a esperança de qualquer perdão. Os Herodes foram sempre os mordomos da Casa estéril, do Palácio das trevas nos quais as crianças são detestadas. Sabem o que têm de fazer e seu Senhor sabe, melhor ainda, o que prepara para recompensá-los de seu zelo.

Horror de viver em uma época tão má, tão renegada que é impossível nela encontrar um santo. Não digo um santo homem, mas um santo, curando doentes e ressuscitando mortos, a quem se possa dizer: o que quer Deus de mim e o que é preciso que eu faça? Nessa embrulhada terrível que pode fazer um pobre profeta?

Esse fim de século temível e carregado de mistério, como a maioria dos fins de século, oferece à observação filosófica a enorme singularidade moral de um avultado número de homens submetidos às pungentes angústias de um espiritualismo sem conclusão definida e que não se consegue precisar em nenhuma fórmula religiosa. Se se quiser considerar bem o que é a alma e o seu terrível apetite natural de unidade e de infinito, ficar-se-á facilmente surpreso com essa incrível força contra a inanição, com a inconcebível paciência desse tigre celeste, cativo e privado de alimento. É um milagre de extravagante compressão exercida sobre uma máquina infinitamente aquecida e que, no entanto, não explode. (...) Existem muitos desses estranhos atormentados que os outros séculos não conheceram e aos quais jamais teriam compreendido. Trata-se do inasfixiável, inextinguível sentimento religioso, sobrevivendo à própria noção de qualquer símbolo divino. As naturezas vulgares saem-se como podem, adorando o dinheiro ou a carne. As naturezas superiores não se saem de modo algum, e vão pelo mundo lançando gritos mais terríveis do que o das águias feridas que levam sua agonia para o fundo dos céus e que ficam eternamente a cair no firmamento.

Assistimos, hoje, à mais importante das feiras de almas jamais presenciadas. Inútil esperar encontrar Deus. Como poderia não se distanciar dela? É o Sangue de seu Filho que está no mercado, o muito precioso Sangue de seu Filho derramado pela salvação de todos os homens.

Viver a sua vida. Vive-se a sua vida quando se sabe ficar instalado num muito firme propósito de ignorar que há homens sofrendo, mulheres em desespero, crianças agonizando, e que se está em condições de aproveitar voluptuosamente de tudo isso.

Vive-se a sua vida quando se faz unicamente o que agrada aos sentidos, sem querer saber que há outras almas no vasto mundo e que, pessoalmente, se tem uma bem pequena alma exposta a estranhas e perigosas surpresas.

Acredito que um espírito avisado formularia assim os pensamentos que me agitam: o mundo moderno perdeu a pura noção do VERDADEIRO e não lhe resta mais senão a noção do ÚTIL. Isto é: de tanto orgulho a posteriori, chegou a destruir a idéia sobrenatural de um Deus revelador que o espírito humano não tinha jamais concebido senão a priori, e não logrou reter senão o arriscado conceito das materialidades ambientes cujo artesão negava.

Ninguém ainda percebeu, creio, que o sublime destino do Burguês é exatamente o contrário ou o inverso da Redenção, tal como a concebem os cristãos. É somente para ele que o gênero humano deve ser crucificado. Compreendam-me bem: somente para ele. Foi necessário, ao que se diz, que o Filho de Deus se encarnasse, que sofresse sob Pôncio Pilatos e morresse na cruz para que todos os homens fossem resgatados. Eis o inverso. É indispensável, é absoluta e de toda a eternidade necessário, que a totalidade das criaturas se imole, voluntária ou involuntariamente, para que o Burguês viva em paz, para que tenha tranqüilidade em suas tripas e seus rins, para que se saiba que ele é o verdadeiro Deus e que tudo foi feito para ele.

Amar outra coisa do que o que é ignóbil, malcheiroso ou estúpido; desejar a Beleza, o Esplendor, a Beatitude; preferir uma obra de arte a uma sujeira, e o Julgamento Final de Miquelângelo a um inventário de fim de ano; ter mais necessidade de uma plenitude da alma do que da saciedade dos intestinos; acreditar, enfim, na Poesia, no Heroísmo, na Santidade, eis o que o Burguês chama "viver nas nuvens"... Em resumo, para subir instantaneamente às nuvens, basta fazer, pensar, querer ou sonhar não importa o que seja limpo ou quase limpo, mesmo que só seja por um meio seguro. Eis, pois, que essas famosas nuvens tão energicamente anatematizadas pelo Burguês, podem, infelizmente, ser encontradas por ele a cada esquina. Não importa o que faça, não pode estar nunca certo de evitá-las. E eis porque sua sorte, tolamente invejada, é tão dolorosa! Freqüentemente se colocou o problema de saber porque o Burguês é tão porco, tão crapulosamente baixo, tão enterrado nas latrinas! Simplesmente: por causa das nuvens.

O bom Deus do Burguês é uma espécie de empregado a respeito de quem ele não se sente muito seguro e a quem absolutamente não honra com sua confiança. Paga-o mal e está sempre disposto a despedi-lo, quites a retomá-lo a seu serviço no mesmo dia, conforme a necessidade que tenha. Pois, não há como negar, nas lojas, o bom Deus é extremamente decorativo.

Que é o burguês? É um porco que gostaria de morrer de velhice.

O que mais repugna ao instinto do burguês, é a comunhão cotidiana. O burguês come tudo, exceto Deus.

O Burguês pode dispensar a vida eterna. É o que o distingue dos animais.

Os mais insignificantes burgueses são, sem o saber, terríveis profetas, que não podem abrir a boca sem fazer estremecer as estrelas, e os abismos da Luz são imediatamente invocados pela voragem de sua Estupidez.

É verdade que o mundo não é muito difícil de ficar admirado. É tão medíocre e tão baixo, esse apanágio de Satanás, que uma aparência de força ou de grandeza basta, comumente. Foi o que muitas vezes se viu nos nossos dias quando políticos ou escritores, capazes no máximo de aguilhoar carne ou de filar jantares, puderam se fazer admirar por multidões.

Que o queira ou não, que o saiba ou que o ignore, cada homem é forçado, a todo instante de sua vida, a declarar a morte de Jesus Cristo. Quem compra um pão, anuncia a morte de Jesus Cristo.

Espanto-me que alguns achem muito natural o que está acontecendo, quando, visivelmente, tudo nos ultrapassa e que nenhuma explicação puramente humana pode ser suficiente.

É a mais banal das ilusões acreditar que se é realmente o que se parece ser. E essa ilusão universal é corroborada, ao longo da vida, pela impostura tenebrosa de todos os nossos sentidos. Não será preciso nada menos que a morte para nos ensinar que nos enganamos sempre. No momento em que nos for revelada nossa identidade, tão desconhecida para nós mesmos, inconcebíveis abismos se desvendarão ante nossos verdadeiros olhos abismo em nós, e fora de nós. Os homens, as coisas, os acontecimentos, serão enfim esclarecidos, e cada um poderá verificar a afirmação daquele místico que dizia que, depois da Queda, o gênero inteiro adormeceu profundamente. Sono prodigioso das gerações, naturalmente acompanhado da incoerência e da deformação infinitas de todos os sonhos. Somos criaturas adormecidas povoadas de imagens semi-apagadas do Éden perdido, mendigos cegos às portas de um sublime palácio de portas fechadas. Não somente não conseguimos nos ver uns aos outros, como nos é impossível, pelo som da voz, identificar o nosso mais próximo vizinho. Eis o teu irmão, é-nos dito. Ah, Senhor, como poderei reconhecê-lo, nessa indiscernível multidão? E como poderia saber se se parece comigo, se ele foi feito à vossa imagem, tanto quanto eu, e se ignoro a minha própria figura? Enquanto espero que vos apraza acordar-me, só tenho meus sonhos, e eles, às vezes, são estarrecedores. Como me será mais difícil compreender as coisas que me rodeiam! Creio em realidades materiais, concretas, palpáveis, tangíveis como o ferro, indiscutíveis como a água de um rio, e uma voz interior, vinda das profundidades, certifica-me de que só existem símbolos, que meu corpo ele mesmo não é senão aparência e que tudo o que me circunda é uma enigmática aparência. Ensinam-nos que Deus nos dá seu Corpo para comer e seu Sangue para beber sob as aparências da Eucaristia. Então, por que quereriam que nos desse de um modo menos encoberto uma parcela de sua criação, por mais ínfima que fosse? Enquanto os homens se agitam em visões de sono, só Deus, único capaz de agir, faz realmente qualquer coisa. Ele escreve a sua própria Revelação na aparência dos acontecimentos desse mundo, e é por isso que o que se chama a história é tão perfeitamente incompreensível.

O que cada homem é, exatamente, ninguém jamais o poderá dizer. No máximo, os mais favorecidos podem invocar ascendentes encontrados, há séculos atrás, nos tenebrosos desvãos da história, e cujos nomes, inscritos em velhíssimos pergaminhos, ainda se podem ler nos raros túmulos que o tempo não destruiu. Os joões-ninguém, aos quais pertenço, não sabem nada ou quase nada de seus antepassados imediatos, paternos ou maternos. Mas, uns como outros, ignoram invencivelmente seu parentesco espiritual, e as gotas de sangue mais ou menos ilustre, de que os soberbos se vangloriam, não constituem para ninguém uma IDENTIDADE. Podeis saber quem vos engendrou. Mas, sem uma revelação divina, como podereis saber quem vos concebeu? Acreditais ter nascido de um ato, nascestes de um pensamento. Toda geração é sobrenatural. O estado civil, de que às vezes tanto vos orgulhais, nada diz sobre vossa alma e o seu nulo registro, a única coisa que pode testemunhar, é a vossa antecipada destinação no cemitério. Se existe uma árvore genealógica das almas, somente os Anjos podem ser admitidos a contemplá-la. As demais árvores assim designadas são decepcionantes e incertas. A genealogia das almas! Quem pode compreender isso?

Ah, é preciso que, um dia, Deus, que fez a língua do homem, vingue terrivelmente essa pobre ultrajada!

Certa vez um padre me escreveu dizendo "não ter alma de santo". Respondi que eu tenho a alma de um santo; que meu senhorio, que é um abominável burguês, meu padeiro, meu açougueiro, meu quitandeiro, que são talvez uns grandes canalhas, todos têm almas de santos, visto terem sido todos chamados, tão bem quanto aquele padre ou eu, tanto quanto São Francisco ou São Paulo, à Vida eterna. E terem sido todos resgatados pelo mesmo preço. Não existe nenhum homem que não seja um santo, virtualmente. O pecado ou os pecados, mesmo os mais graves, são acidentes acessórios que em nada afetam a substância. Na minha opinião, este é o ponto de vista certo. Quando, indo a um café, ponho-me a ler jornais ignóbeis e estúpidos, olho em torno de mim e vejo os freqüentadores daquele lugar, observo sua alegria tola, ouço suas bobagens ou suas blasfêmias, digo a mim mesmo que me encontro ali entre almas que são imortais, mas que não se dão conta disto, almas criadas para a adoração eterna da Santíssima Trindade e, por conseguinte, tão preciosas como os espíritos angélicos. Então, não é raro que me ponha a chorar, não de compaixão, mas por amor, lembrando-me que todas essas almas, por maior que seja sua cegueira atual, e sejam quais forem as atitudes aparentes do corpo, irão inexoravelmente a Deus, que é o seu destino final. Ah! se se soubesse como isso é belo! Mas vós - o tal padre, vós o sabeis e deveríeis mo ensinar, se já não o soubesse. Que pobres cristãos somos nós! Recebemos o Sacramento do Batismo, o da Confirmação, às vezes mesmo o da Ordem e, com tudo isso, nos falta caráter! Existe uma forma aparente de humildade que se assemelha à ingratidão. "Não tenho alma de santo." Fomos feitos santos por Nosso Senhor Jesus Cristo e não ousamos crer e dizer firmemente que somos santos! Ah!, meu caro amigo, que belas e exaltantes palavras poderiam ser ditas por um pregador que estivesse compenetrado dessas idéias.

Cada um de nós é santo, posto que somos todos membros de Jesus Cristo. A danação, tal como a logram tantos burgueses, é um ato infinitamente monstruoso que consiste em amputar Deus.

Tudo o que Deus fez é santo sob um aspecto que só Ele poderá explicar. A água é santa, as pedras são santas, as plantas são santas, o fogo é a devoradora figura de seu Espírito Santo. Toda a sua obra é santa. Só o homem, mais santo que as outras criaturas, não quer saber da santidade.

Os cristãos do mundo são imóveis e estão satisfeitos consigo mesmos. Os outros, em bem pequeno número, são torrentes que jamais se satisfazem. Deus vos quer santo. Não digo virtuoso, nem honrado, o que basta aos burgueses. Mas SANTO. E, a isso, saberá vos obrigar, nem que seja à custa de terríveis dores.

A população total do nosso globo é avaliada (1917) em um bilhão e quatrocentos milhões de indivíduos. Quantas almas realmente vivas nesse fervilhar de seres humanos? Uma por cem mil, talvez. Ou por cem milhões. Não se sabe. Há seres superiores, homens de gênio mesmo, talvez, cuja alma não foi vivificada e que morrem sem ter vivido. Um coração simples dirá cada dia, chorando de angústia: "Em que pé estou com o Espírito Santo? Sou verdadeiramente um vivo ou um morto que se deveria enterrar?" É terrificante pensar que se subsiste no meio de uma multidão de mortos que se acredita vivos e que o amigo, o companheiro, o irmão que se viu de manhã e que se vai tornar a ver à noite, só tem vida orgânica, uma aparência de vida, uma caricatura de existência. E que, na verdade, é apenas diferente daqueles que já se estão desfazendo nos túmulos. É intolerável, por exemplo, pensar que se nasceu de pai e mãe que não existiam. E que esse padre, presente no altar, talvez não seja muito diverso de um outro já falecido e que o Fármaco da imortalidade, o Pão que ele consagrou para nos transmitir a Vida eterna, ele o vai estender com mão de cadáver, proferindo com voz defunta as santas palavras da liturgia! Funcionam, no entanto, todos esses fantasmas, com uma perfeita regularidade. A missa daquele padre é tão válida quanto a de um santo. Certa, a absolvição que administra aos pecadores. A força de seu ministério sobrenatural perdura enquanto a morte não triunfou definitivamente dele. E assim acontece com todos os semi-trespassados que nos rodeiam e que somos forçados a chamar, por antecipação: mortos. Continua-se a agir e mesmo a pensar mecanicamente, com uma alma destituída de vida.

Não pensas nos mortos, não é? No entanto, não é mais um moço e, se não és completamente estúpido, deves ter reparado na espantosa semelhança que assumem, aos olhos de um velho, todas as fisionomias humanas como uma firmação mais precisa da identidade universal , à medida que nos afastamos das ondulantes ilusões da adolescência. Chegamos mesmo a não ver senão um só homem em todos os homens, quando nos aproximamos do túmulo.

Pois não há meio de prescindir do Mistério, quando se foi feito "à imagem e semelhança de Deus". Pode-se viver sem pão, sem vinho, sem teto, sem amor, sem felicidade. Não se pode viver sem Mistério. A natureza humana o exige.
Hoje, a feiúra do mundo visível é pavorosa, mas a sua feiúra invisível, a sua verdadeira feiúra, quem a poderá descrever? Refleti que a fé morreu, que o cristianismo está enterrado. Como quererão que não sucedam terríveis desgraças?
Uma vez por todas, é preciso que vos habitueis à minha linguagem e que vos compenetreis dessa idéia bem simples que não pertenço a nada e a ninguém a não ser a Deus e à sua Igreja. Quero dizer: a Igreja invisível. A visível, concordo, tornou-se abominável, se bem que me sinta infinitamente longe de permitir às pulgas e aos piolhos do traseiro de Zola ou de Clemenceau o exorbitante direito de ter alguma opinião a esse respeito. Tudo o que não é exclusivamente, perdidamente católico, não tem outro direito além do de se calar, sendo apenas digno de limpar os urinóis de hospital ou de raspar a sujeira aderida às latrinas de uma caserna de infantaria alemã.

Afirmo com segurança que o mundo católico moderno é um mundo condenado, danado; absoluta, irremediavelmente rejeitado. Um mundo de que o Senhor Jesus se fartou do modo mais total, um espelho de ignomínia onde Ele não pode se mirar sem ter medo, como em Getsêmani.

Vim pôr fogo no mundo e, assim, o que posso eu querer senão que ele queime? Assim fala Jesus, no Evangelho. Logo, todo católico tem o direito e o dever de ser um incendiário.

Hoje, no entanto, há um começo de inquietação. Há como que um pequeno sopro que poderá se tornar um vento pânico. As consciências ainda válidas sentem que esse farisaísmo não pode durar, que Deus vomita o catolicismo das "pessoas honradas" e que estamos no momento de restaurar o catolicismo dos Pés-descalços, o catolicismo dos que não têm alegrias neste mundo e cujo sofrimento clama às abóbadas do Paraíso, o catolicismo dos vencidos, dos ensangüentados, dos soluçantes, dos malditos, dos desesperados, daqueles que têm fome e sede, dos que gelam e dos que ardem, o catolicismo das grandes almas!...

Os danados não têm outro refrigério, no abismo de suas torturas, senão a visão das terríveis faces dos demônios. Os amigos de Jesus vêem à sua volta os cristãos modernos e é assim que podem conceber o inferno.

Simão, o Cirenaico, ajuda Jesus a carregar a sua Cruz. Os cristãos modernos põem suas cruzes nas costas de Jesus.

Tive muito freqüentemente a ocasião de falar da tolice de nossos católicos, prodígio enorme, que demonstra, por si só, a divindade de uma religião capaz de resistir-lhes.
Antigamente, há muito tempo mesmo, quando ainda havia bispos e cristãos, é coisa sabida que os moços educados para o bem, homens ou mulheres, podiam ler ou olhar impunemente as obras belas, mesmo se nelas se encontrassem esses detalhes que hoje fazem corar os nossos beatos. Era-se sadio e forte e as almas só assimilavam o Belo. Um sangue generoso, um estômago robusto, facilmente eliminam os venenos. Os anêmicos, os deprimidos, os moribundos de fome e miséria, são, pelo contrário, as vítimas primeiras de qualquer flagelo. O contágio galopa neles como os vermes nos cadáveres. Tal é a terrível situação dos católicos atuais, exclusivamente alimentados, de um século para cá, pelas mais debilitantes insignificâncias. Privados do alimento vigoroso das grandes obras, os leitores e leitoras dos "bons romances" correm para a luxúria como os porcos para o lodo. À força de precauções sujas ou imbecis, as imaginações católicas e sentimentais parecem voltadas apenas para o pecado da carne.

Os imbecis estão na Igreja como as pulgas nas casas velhas. Apavoram os visitantes e fazem com que os locatários se mudem.

Alguns padres parecem encarar os próprios Preceitos do Evangelho como brincadeiras já ultrapassadas. É como se os ouvíssemos dizer: "sim, sim, já ouvi essa, agora não funciona mais". Em geral, esses terríveis padres ficam habituados, desde o seminário, a ver nas Escrituras uma simples matéria de exame que nada tem em comum com o que eles chamam: a vida prática.

A arte não é o meu fim, apenas um instrumento de que aprendi a me servir como de uma espada ou de um canhão. E sou, antes e acima de tudo, uma alma religiosa. Daria todos os artistas do mundo e todas as obras-primas da arte pela Oração Dominical dita por um mendigo à beira de uma vala. Sabeis por acaso o que é essa Oração? Não, não é? Então, que podeis compreender de um homem que não escreveu senão para parafrasear suas sílabas e que pensa continuamente na morte?

Na Poesia e na Arte, um homem sem entusiasmo, isto é: sem Deus e não sabendo sofrer, não tem razão de ser e nem mesmo o direito de existir. Um escritor que nada diz às nossas almas é o mais vil dos escravos e o mais revoltante dos histriões. Profana a linguagem humana - a linguagem que Deus usou - e se torna culpado do misterioso crime que o Evangelho dos Cristãos proclama irremissível.

Ninguém, seja entre os melhores cristãos, parece procurar Deus, nem mesmo pensar Nele. Todos se sentam à mesa como cães e vão para a cama como porcos. Impossível conseguir a menor atenção, quando se fala em Deus.

Só há uma tristeza: a de não ser santo!