tag:blogger.com,1999:blog-47906650907963631752024-02-07T21:31:31.946-03:00ConvívioMallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.comBlogger26125tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-48686565014032711942015-03-21T14:43:00.000-03:002015-03-21T14:43:03.466-03:00Curso Arte e Simbolismo<div dir="ltr" id="docs-internal-guid-dde1643a-3d69-2501-d5ae-5c2c0658a630" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">O problema do simbolismo e sua relação com as obras de arte é o tema central deste curso. A partir da definição da ciência do simbolismo e do estudo de algumas das principais concepções teóricas sobre o símbolo, e da exposição e análise de vários sistemas simbólicos, Roberto Mallet estuda a dimensão simbólica das obras de arte, tanto em sua estrutura quanto no seu papel social e espiritual.</span></div>
<br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">PROGRAMA</span></div>
<br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Teoria do símbolo</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Os conceitos de forma, matéria, ato e potência</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">As quatro causas</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Os planos ontológicos da existência</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Cosmologia simbólica e cosmos moderno</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Simbolismo dos números e das figuras geométricas</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Simbolismo natural e simbolismo religioso</span></div>
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Os sentidos literal, alegórico, moral e anagógico</span></div>
<br />
<div dir="ltr" style="line-height: 1.38; margin-bottom: 0pt; margin-top: 0pt;">
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Carga horária: 36 horas, 12 aulas de 3 horas</span></div>
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Terças-feiras, das 19h30 às 22h30</span><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Na sede dos Geraldos, rua Augusto César de Andrade, 1603 - Campinas/SP</span><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;">Fone (19) 3327-1605.</span><br />
<span style="font-family: Arial; font-size: 15px; vertical-align: baseline;"><br /></span>
<br />
<br />
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="225" src="https://www.youtube.com/embed/q6Q0oiMFLgE" width="400"></iframe>
<br />
<br />
<br />
<iframe allowfullscreen="" frameborder="0" height="225" src="https://www.youtube.com/embed/mRFSPjMLgaA" width="400"></iframe>
<br />
<br />Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-37818954460589207962014-05-23T15:26:00.002-03:002014-05-23T15:27:37.543-03:00O HOMEM MEDÍOCRE - Ernest Hello<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br />
Diz numa reunião que
algum homem célebre é um homem medíocre, e todos ficarão
espantados; dirão que és <i>paradoxal.</i>
É que ninguém sabe o que é um homem medíocre.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre é tolo, estúpido, imbecil? De maneira alguma. O
imbecil está numa extremidade do mundo, o homem de gênio na outra.
O homem medíocre está no meio. Não digo que ocupe o centro do
mundo intelectual, o que seria outra coisa; ele está no meio.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre estará então no que se chama em filosofia, em
política, em literatura, um justo meio? Encaixa necessária e
certamente nessa opinião?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Também
não.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quem
está no justo meio sabe disto: tem a intenção de estar nele. O
homem medíocre está no justo meio sem o saber. Está nele por
natureza, não por opinião; por caráter, não por acidente. Mesmo
que seja violento, irritado, extremo; mesmo que se distancie quanto
for possível do justo meio, será medíocre. Terá mediocridade na
violência.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
traço característico, absolutamente característico do homem
medíocre, é sua deferência pela opinião pública. Jamais fala,
sempre repete. Julga um homem por sua idade, sua posição, seu
sucesso, sua fortuna. Tem o mais profundo respeito por quem é
conhecido, não importa por quê; por quem tenha causado uma grande
impressão. Adulará seu mais cruel inimigo, se esse inimigo
tornar-se célebre; mas fará pouco caso de seu melhor amigo, se
ninguém o elogia. Não concebe que um homem ainda desconhecido, um
pobre homem, um passante, que é tratado de maneira comum, com
desembaraço, possa ser um homem de gênio.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se
fores o maior dos homens, acreditará, se te conheceu criança,
honrar-te muito comparando-te a Marmontel. Não ousará tomar a
iniciativa de nada. Suas admirações são prudentes, seus
entusiasmos oficiais. Despreza os que são jovens. Mas, quando tu
grandeza for reconhecida, exclamará: bem que eu sabia! Mas nunca
dirá, frente à aurora de um homem ignorado: eis a glória e o
futuro! Aquele que pode dizer a um trabalhador desconhecido: meu
filho, és um homem de gênio! – este merece a imortalidade que
promete. Compreender é igualar, disse Rafael.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre pode ter esta ou aquela aptidão especial: pode ter
<i>talento.</i> Mas a
intuição lhe é interdita. Não tem uma visão superior; não a
terá jamais. Admite às vezes uma idéia, mas não a segue em suas
diversas aplicações; e se lhe é apresentada em termos diferentes,
não a reconhece: rejeita-a.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Admite
às vezes um princípio; mas se chegares às conseqüências desse
princípio, dirá que exageras.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se
a palavra exagero não existisse, o homem medíocre a inventaria.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre pensa que o cristianismo é uma precaução útil,
que seria imprudente dispensar. Entretanto detesta-o interiormente;
algumas vezes, tem por ele um certo respeito convencional, o mesmo
respeito que tem pelos livros em voga. Mas tem horror ao catolicismo:
considera-o exagerado; gosta mais do protestantismo, que acha
moderado. É amigo de todos os princípios e de todos os contrários.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre pode ter estima pelas pessoas virtuosas e pelos
homens de talento.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Tem
medo e horror dos santos e dos homens de gênio; acha-os exagerados.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Pergunta
para quê servem as ordens religiosas, sobretudo as ordens
contemplativas. Admite as irmãs de São Vicente de Paulo, pois sua
ação realiza-se, ao menos parcialmente, no mundo visível. Mas os
carmelitas, diz ele, para quê servem?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se
o homem naturalmente medíocre torna-se seriamente cristão, deixa
absolutamente de ser medíocre. Pode não se tornar um homem
superior, mas é arrancado da mediocridade pela mão que empunha a
espada. O homem que ama jamais é medíocre.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem verdadeiramente medíocre admira um pouco todas as coisas; nada
admira com ardor. Se lhe apresentas seus próprios pensamentos, seus
próprios sentimentos com um certo entusiasmo, ficará descontente.
Dirá que exageras; gostará mais de seus inimigos se forem frios,
que de seus amigos se forem quentes. O que detesta acima de tudo, é
o calor.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre só tem uma paixão, o ódio ao belo. Talvez repita
com freqüência uma verdade banal com um tom banal. Exprima a mesma
verdade com esplendor e ele te vai maldizer; terá encontrado o belo,
seu inimigo pessoal.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre ama os escritores que não dizem nem sim nem não
sobre qualquer coisa, que nada afirmam, que conciliam todas as
opiniões contraditórias. Gosta ao mesmo tempo de Voltaire, Rousseau
e Bossuet. Gosta que se negue o cristianismo, mas que se o negue
polidamente, com certa moderação nas palavras. Tem um certo amor
pelo racionalismo e, coisa bizarra, também pelo jansenismo. Adora a
profissão de fé do vigário sabichão.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Acha
insolente toda afirmação, porque toda afirmação exclui a
proposição contraditória. Mas se fores um pouco amigo e um pouco
inimigo de tudo, pensará que és sábio e reservado. Admirará a
delicadeza de teu pensamento, e dirá que tens o talento das
transições e das nuances.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Para
escapar à acusação de intolerância que lança a todo aquele que
pensa com vigor, vai se refugiar na dúvida absoluta; mesmo assim não
dá à dúvida seu próprio nome. Procura dar-lhe a forma de uma
opinião honesta, que reserva os direitos da opinião contrária, com
a aparência de dizer alguma coisa sem dizer absolutamente nada. É
preciso acrescentar a cada frase uma perífrase adocicante: <i>parece,
se ouso dizer, se é permitido exprimir-se assim...</i></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<i><br /></i></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Resta
ao homem medíocre em atividade, em exercício, uma inquietude: o
medo de comprometer-se. Exprime também alguns pensamentos roubados
do senhor de La Palisse, com a reserva, a timidez, a prudência de um
homem temeroso de que suas palavras ousadas demais possam abalar o
mundo.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
A
primeira frase do homem medíocre que julga um livro trata sempre de
um detalhe, e habitualmente de um detalhe de estilo. É bem escrito,
dirá, quando o estilo é fluente, morno, incolor, tímido. É mal
escrito, dirá, quando a vida circula na tua obra, quando forjas tua
linguagem como quem fala, quando dizes teus pensamentos com aquele
frescor que é a sinceridade do escritor. Ama a literatura impessoal;
detesta os livros que obrigam a refletir. Gosta dos que se parecem
com todos os outros, dos que confirmam seus hábitos, que não
explodem seu molde, que permanecem em seus limites, dos que sabemos
de cor antes de serem lidos, porque são semelhantes a todos que
lemos desde que aprendemos a ler.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre diz que Jesus Cristo deveria se ter limitado a pregar
a caridade, sem fazer milagres; mas detesta ainda mais os milagres
dos santos, sobretudo dos santos modernos. Se lhe contas um fato
sobrenatural e contemporâneo, dirá que as lendas fazem um bom
efeito nas vidas dos santos, mas que devem se restringir a elas; e se
observares que o poder de Deus é o mesmo de sempre, responderá que
exageras.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre diz que há o bem e o mal em todas as coisas, que não
devemos ser absolutos em nossos julgamentos, etc, etc.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Se
afirmas fortemente a verdade, o homem medíocre dirá que tens
excessiva confiança em ti mesmo. Ele, que tem tanto orgulho, não
sabe mesmo o que é o orgulho! É modesto e orgulhoso, submisso
perante Voltaire e revoltado contra a Igreja. Sua divisa é o grito
de Joad: corajoso somente contra Deus! [Racine, <i>Atalia</i>, ato
III, cena VII]</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre, em seu pavor das coisas superiores, diz que estima
sobretudo o bom senso; mas não sabe o que é o bom senso. Entende
por esta expressão a negação de tudo o que é grande.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre pode muito bem ter essa coisa sem valor que chamam,
nos salões, de espírito; mas não pode ter inteligência, que é a
faculdade de ler a idéia no fato.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem inteligente eleva a cabeça para admirar e adorar; o homem
medíocre eleva a cabeça para zombar: tudo que está acima dele
parece-lhe ridículo, o infinito parece-lhe o nada.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre não crê no diabo.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre lamenta que a religião cristã tenha dogmas:
gostaria que ela ensinasse <i>somente a moral; </i>e
se lhe dizemos que sua moral decorre dos dogmas, como a conseqüência
decorre do princípio, responderá que exageramos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Confunde
a falsa modéstia, que é a mentira oficial dos orgulhosos de baixo
calão, com a humildade, que é a virtude simples e divina dos
santos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Entre
esta modéstia e a humildade, eis a diferença:</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem falsamente modesto acredita que sua razão é superior à
verdade divina e independente dela, mas acredita ao mesmo tempo que
ela é inferior à do sr. Voltaire. Acredita ser inferior aos mais
rasteiros imbecis do século dezoito, mas zomba de Santa Teresa.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem humilde despreza todas as mentiras, por mais que sejam
glorificadas por toda a terra, e se ajoelha perante toda verdade.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre parece habitualmente modesto; não pode ser humilde,
ou deixará de ser medíocre.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre adora Cícero, cegamente e sem restrições; não o
chama por seu nome, mas “o orador romano”. Cita de tempos em
tempos: <i>ubinam gentium vivimus?</i></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<i><br /></i></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre é o mais frio e o mais feroz inimigo do homem de
gênio.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Opõe-lhe
a força da inércia, resistência cruel; opõe-lhe seus hábitos
maquinais e invencíveis, a cidadela de seus velhos preconceitos, sua
indiferença impertinente, seu ceticismo maldoso, seu ódio profundo
que se assemelha à imparcialidade; opõe-lhe a arma das pessoas que
não têm coração, a dureza da estultice.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
gênio conta com o entusiasmo; entrega-se a ele. O homem medíocre
não se entrega jamais. Não tem entusiasmo nem piedade: duas coisas
que vão sempre juntas.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Quando
o homem de gênio desanima e acha que está para morrer, o homem
medíocre fica satisfeito; alegra-se com essa agonia. Diz: bem que eu
tinha adivinhado, esse homem estava num mau caminho; tinha muito
confiança em si mesmo! Se o homem de gênio triunfa, o homem
medíocre, cheio de inveja e de ódio, opõe-lhe ao menos <i>os
grande modelos clássicos</i>, como
diz, os homens célebres do último século, e tratará de se
convencer que o futuro o vingará do presente.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre é muito pior do que pensa, e do que pensam dele,
pois sua frieza oculta sua maldade. Jamais se arrebata. No fundo,
gostaria de eliminar as estirpes superiores: como não pode, vinga-se
achincalhando-as. Fala pequenas infâmias, que, por serem pequenas,
não parecem ser infames. Fere com alfinetes, e regozija-se quando o
sangue corre, ao passo que o assassino teme o sangue derramado. O
homem medíocre nunca tem medo. Sente o apoio da multidão dos que se
lhe assemelham.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre é, na ordem literária, o que na ordem social
denomina-se um homem de boa sorte. Os sucessos fáceis são para ele.
Ignorando o que é essencial e captando o que é acidental em todas
as coisas, corre atrás das circunstâncias; segue ao sabor das
ocasiões; e quando é bem-sucedido, torna-se dez vez mais medíocre.
Julga-se, como julga os outros, pelo sucesso. Enquanto o homem
superior sente sua força interiormente, e a sente sobretudo se os
outros não a sentem, o homem medíocre pensa ser um tolo quando o
julgam tolo, e seu equilíbrio depende dos cumprimentos que recebe;
sua mediocridade aumenta na razão de sua importância.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas
enfim, perguntarão, por quê e como é bem-sucedido?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Sentado
em teu escritório, diante de um livro assinado por um nome
conhecido, a que o falatório público reclama sua atenção, nunca
te aconteceu fechá-lo com uma tristeza inquieta e dizer para ti
mesmo: – como estas páginas levaram o autor à reputação, em vez
de condená-lo ao esquecimento? Ou: como aquele outro nome, que
poderia figurar ao lado dos grandes nomes, é absolutamente
desconhecido dos homens? Porque os amigos raros, os raros amigos
deste em que penso neste momento murmuram timidamente seu nome entre
si, não ousando pronunciá-lo diante de todos, por não ter a sanção
de todos? A glória tem seus segredos, ou tem seus caprichos?</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Eis
a resposta: a glória e o sucesso não se assemelham; a glória tem
segredos, o sucesso tem caprichos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre não luta: pode vencer inicialmente; sempre fracassa
depois.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem superior luta primeiro e vence depois.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre vence porque segue a corrente; o homem superior
triunfa porque vai contra a corrente.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
procedimento do sucesso é caminhar com os outros; o procedimento da
glória é caminhar contra os outros.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Todo
homem que torna seu nome conhecido produz esse efeito, pois é o
representante de uma certa parte da espécie humana.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Eis
a solução de todos os enigmas.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
As
raças superiores se fazem representar pelos grandes; as raças
inferiores se fazem representar pelos pequenos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Ambas
têm seus deputados na assembléia universal.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Mas
umas dão a seus deputados o sucesso, as outras dão-lhes a glória.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Aqueles
que lisonjeiam os preconceitos, os hábitos de seus contemporâneos,
ganham impulso e chegam ao sucesso: são os homens de seu tempo.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Os
que recusam os preconceitos, os hábitos; os que respiram
antecipadamente os ares do século seguinte, impulsionam os outros, e
chegam à glória: são os homens da eternidade.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Eis
porque a coragem, que é inútil para o sucesso, é condição
absoluta para a glória. São grandes os que se impõem aos outros em
vez de suportá-los; que impõem a si mesmos em vez de suportar-se;
que sufocam com a mesma força seus próprios desânimos e as
resistências exteriores. O que denominamos grandeza é a irradiação
do poder.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre que alcança o sucesso encarna os desejos atuais dos
outros homens.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem superior que triunfa encarna os pressentimentos desconhecidos
da humanidade.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre pode mostrar aos homens os aspectos conhecidos de
suas próprias almas.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem superior revela aos homens os aspectos desconhecidos de suas
próprias almas.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem superior desce até o fundo de nós mais profundamente do que
costumamos descer. Dá voz aos nossos pensamentos. É mais íntimo a
nós que nós mesmos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Irrita-nos
e regozija-nos, como alguém que nos acordasse para acompanhá-lo a
ver o nascer do sol. Arrancando-nos de nossas casas para conduzir-nos
aos seus domínios, inquieta-nos, e ao mesmo tempo nos dá uma paz
superior.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre, que nos deixa ali mesmo onde estamos, inspira-nos
uma tranqüilidade morta que é diferente da calma.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem superior, incessantemente atormentado, dilacerado, pela
oposição entre o ideal e o real, sente melhor do que ninguém a
grandeza humana, e melhor do que ninguém a miséria humana. Sente-se
mais fortemente chamado ao esplendor ideal, que é a finalidade de
todos nós, e mais mortalmente deteriorado pela velha decadência de
nossa pobre natureza; e comunica-nos esse dois sentimentos que tem.
Ilumina em nós o amor do ser, e desperta em nós incansavelmente a
<i>consciência</i> do nosso
nada.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre não sente nem a grandeza, nem a miséria, nem o Ser,
nem o nada. Não é nem deslumbrado, nem precipitado; fica no
penúltimo degrau da escada, incapaz de subir, excessivamente
preguiçoso para descer.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
Em
seus juízos e em suas obras, substitui a realidade pela convenção,
aprova o que encaixa em seu repertório, condena o que escapa às
denominações, às categorias que conhece, receia o espanto e, não
se aproximando jamais do terrível mistério da vida, evita as
montanhas e os abismos pelos quais ela conduz seus amigos.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem de gênio é superior àquilo que executa. Seu pensamento é
superior à sua obra.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre é inferior àquilo que executa. Sua obra não é a
realização de um pensamento: é um trabalho feito de acordo com
determinadas regras.</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem de gênio sempre acha sua obra inacabada.</div>
<br />
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
O
homem medíocre infla-se com a sua, cheio de si mesmo, cheio de nada,
cheio de vazio, cheio de vaidade. Vaidade! Esse odioso personagem
está por inteiro nestas duas palavras: frieza e vaidade!</div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<br /></div>
<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<i>In </i>Hello, Ernest, <i>L'Homme</i>, Paris, Perrin et Cie, Libraires-Éditeus, 1894, p. 57-67.</div>
Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-23630973879285866242014-01-09T00:24:00.001-02:002014-01-26T02:37:13.088-02:00Como falar poesia - Leonard Cohen<div class="western" style="margin-bottom: 0cm;">
<span lang="pt-PT">Toma
a palavra borboleta. Para usar esta palavra não é preciso fazer a
voz pesar menos que uma onça ou adorná-la com pequenas asas
empoadas . Não é preciso criar um dia de sol ou um campo de
narcisos . Não é preciso apaixonar-se, nem apaixonar-se por
borboletas. A palavra borboleta não é uma borboleta real. Uma coisa
é a palavra, outra a borboleta. Se as confundires as pessoas terão
o direito de rir-se de ti. Não faças muito com a palavra. Estás
tentando sugerir que amas as borboletas melhor do que os outros, ou
compreender realmente a sua natureza? A palavra borboleta é apenas
um dado. Não é uma oportunidade para adejar, voar, amigar-se com
flores, simbolizar beleza e fragilidade, ou personificar de qualquer
forma uma borboleta. Não representes palavras. Nunca representes
palavras. Nunca tentes elevar-te do chão quando falares de voar.
Nunca feches os olhos e inclines a cabeça para o lado quando falares
de morte. Não fixes teus olhos ardentes em mim quando falares de
amor. Se quiseres impressionar-me ao falares de amor, põe a mão no
bolso ou sob tuas roupas e brinca contigo mesmo. Se a ambição e a
fome de aplausos levaram-te a falar de amor, tens que aprender a
fazê-lo sem aviltar a ti mesmo ou o material.<br /><br />Que expressão
nosso tempo exige? Nosso tempo não exige expressão alguma. Temos
visto fotografias de mães asiáticas enlutadas. Não estamos
interessados na agonia de teus destrambelhados órgãos. Não há
nada que possas estampar em teu rosto que possa igualar o horror da
nossa época. Melhor nem tentar. Só vais conseguir o desprezo de
quem tem sentido as coisas profundamente. Temos visto nos noticiários
homens no extremo da dor e do abandono . Todo mundo sabe que tens
comido bem e também que estás sendo pago para estar em cena. Estás
diante de pessoas que viveram uma catástrofe. Isto deveria deixar-te
muito quieto. Fala as palavras, transmite os dados, não apareças.
Todo mundo sabe que estás sofrendo. Não tens que dizer à platéia
tudo que sabes sobre o amor a cada linha em que falares de amor. Sai
da frente e eles saberão o que sabes, porque eles já o sabiam. Não
tens nada a lhes ensinar. Não és mais belo que eles. Não és mais
sábio. Não grite com eles . Não tentes entrar à força. Isto é
sexo ruim. Se mostrares as linhas de tua genitália, então entregues
o que prometeste. E lembra-te que as pessoas realmente não querem um
acróbata na cama. De quê precisamos? De estar perto do homem
natural, de estar perto da mulher natural. Não imagines que és um
cantor amado com um vasto público fiel que acompanhou os altos e
baixos de tua vida até este momento. As bombas, os lança-chamas, e
toda a merda destruíram mais do que árvores e aldeias. Também
destruíram o palco. Achas que tua profissão escaparia da destruição
geral? Não há mais palco. Não há mais ribalta . Estás no meio do
povo. Então sê modesto. Fala as palavras, transmite os dados, não
apareças. Sê sozinho. Sê teu próprio quarto. Não te coloques à
frente.<br /><br />Isto é uma paisagem interior. É dentro. Privado.
Respeita a privacidade do material. Estas peças foram escritas em
silêncio. A coragem da performance é dizê-las. A disciplina da
performance é para não violá-las. Deixa o público sentir teu amor
pela privacidade, mesmo que não haja privacidade. Sê uma boa puta.
O poema não é um slogan. Ele não pode te divulgar. Não pode
promover tua reputação de sensibilidade . Não és um garanhão.
Não és um assassino de mulheres. Há todo um lixo sobre gangsters
do amor. És um aprendiz da disciplina. Não representes as palavras.
As palavras morrem quando as representas, definham, e sobra apenas a
tua ambição.<br /><br />Fala as palavras com a exata precisão de quem
confere uma listagem de lavanderia . Não fiques emotivo por uma
blusa rendada. Não fiques de pau duro ao dizeres calcinha, não
fiques todo arrepiado só por causa da toalha. Os lençóis não
devem produzir uma expressão sonhadora em teus olhos. Não é
preciso chorar no lenço. As meias não estão lá para te lembrar de
estranhas e longínquas viagens. São apenas tuas roupas lavadas.
Apenas tuas roupas. Não fiques espiando dentro delas. Use-as,
apenas.<br /><br />O poema não é nada mais que informação. É a
Constituição do país interior. Se o declamares e o fizeres
explodir com nobres intenções então não és melhor que os
políticos que desprezas. És apenas alguém levantando uma bandeira
e apelando à mais barata espécie de patriotismo emocional. Pensa na
palavra como ciência, não como arte. Elas são um relatório. Estás
falando em uma reunião do Clube de Exploradores da National
Geographic Society. Essas pessoas conhecem todos os riscos do
alpinismo. Elas te honrarão se não te esqueceres disto. Se ficares
insistindo neles será um insulto à sua hospitalidade. Fala da
altura da montanha, do equipamento que usaste, sê específico sobre
as superfícies e o tempo que te custou a escalada. Não procures
causar na audiência suspiros e ais. Se alcançares suspiros e ais
não será um resultado da tua apreciação do evento, mas da deles.
Virá das estatísticas e não do tremor da voz ou das mãos cortando
o ar. Virá dos dados e da silenciosa organização da tua
presença.<br /><br />Evita o floreio. Não tenhas medo de parecer fraco.
Não te envergonhes do teu cansaço. Ficas bem quando estás cansado.
Ficas como poderias ser sempre. Agora vem para os meus braços . És
a imagem da minha beleza.</span><br />
<span lang="pt-PT"><i><br /></i></span>
<span lang="pt-PT"><i>In
Death of a Lady's Man</i></span><span lang="pt-PT"> (1978) –</span><br />
<span lang="pt-PT"><a href="http://homepage.usask.ca/~mid422/lcmisc.htm">http://homepage.usask.ca/~mid422/lcmisc.htm</a>. </span><br />
<span lang="pt-PT">Tradução de Roberto Mallet.</span></div>
Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-16202371335935231802010-11-02T15:19:00.002-02:002010-11-02T16:05:49.300-02:00Sou só - Léon Bloy<div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;"><i>Nesses dois primeiros dias do mês de novembro a Igreja olha para os Céus - ontem rezou em homenagem àqueles que contemplam a Santíssima Trindade e hoje reza por aqueles que aguardam em paciente agonia a eterna e infinita visão. Posto estas palavras de Bloy, escritas pouco tempo antes de sua morte, em memória de meus mortos e peço aos que o lerem uma oração à Virgem Santíssima, Rainha do Céu e da Terra, por esses queridos parentes e amigos - especialmente por meu pai, falecido em fevereiro deste ano da Graça de Dois Mil e Dez.</i></div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;"><i>Requiem eternam donna eis, Domine, et lux perpetua luceat eis.</i><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Sou <i>só</i>. Tenho contudo uma mulher e duas filhas que me amam e que amo. Tenho afilhados e afilhadas que parecem ter sido escolhidos pelo próprio Espírito Santo. Tenho amigos fiéis, atestados, bem mais numerosos do que é comum.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Mas, mesmo assim, sou só em minha espécie. Estou só na antecâmara de Deus. Quando chegar a vez de eu me apresentar, onde estarão aqueles que amei e que me amaram? Sei muito bem que os que sabem rezar rezarão por mim de todo o coração, mas como estarão longe então e que solidão avassaladora diante de meu Juiz!</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Quanto mais se está próximo de Deus, mais se está só. É o infinito da solidão.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Naquele momento, todas as Palavras santas, lidas tantas vezes em meu escuro porão, serão manifestas para mim, e o Preceito de odiar pai, mãe, filhos, irmãos, irmãs, e até a própria alma, quando se quer seguir Jesus, pesará sobre mim como uma montanha de granito incandescente.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Onde estarão as humildes igrejas com paredes tão doces em que muitas vezes rezei com tanto amor pelos vivos e pelos defuntos? Onde estarão as diletas lágrimas que foram minha esperança de pecador, quando eu não puder mais amar e sofrer? Em que se terão transformado meus pobres livros, em que investiguei a história da Trindade misericordiosa?</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">Em quem, em quê me apoiar? As preces daqueles bem-amados que trouxe à Igreja terão o tempo ou a força de me alcançar? Nada me garante que o Anjo a quem foi confiada minha guarda não estará ele mesmo tremendo de compaixão e tiritando de frio como um pobre mal vestido esquecido à soleira da porta. Estarei inefavelmente só e sei de antemão que não terei sequer um segundo para me precipitar no abismo de luz ou no abismo de trevas.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">- Sou obrigada a te acusar! dirá minha consciência, e meus mais ternos amigos confessarão, de infinitamente longe, sua impotência. Defende-te como puderes, pobre infeliz!</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;">- É verdade que a ti devemos, diante de Deus, a vida de nossas almas, dirão soluçando, e isto nos faz esperar que a tua será tratada com doçura. Mas vê... há entre nós e ti o grande Caos da Morte. És agora inimaginável e participas da Solidão inimaginável. O que podemos é espremer nossos corações rezando por ti. Se não foste absolutamente um <i>discípulo</i>, se não vendeste tudo e não abandonaste tudo, sabemos que estás lá onde mil anos são como um dia e que um único olhar dos Olhos de teu Juiz pode ter a velocidade do raio ou a inexprimível duração de todos os séculos. Pois não antevemos nada senão que estás inconcebivelmente só e que se um de nós pudesse chegar onde estás não conseguiria te reconhecer. Mas até isto nos é impossível compreender. Fica com Deus, então, até a hora desconhecida do Julgamento universal que é outro mistério ainda mais impenetrável.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;"><i>Adjuro te per Deum vivum, </i>disse o Príncipe dos sacerdotes para obrigar Jesus a falar. Essa intimação prodigiosa que abalou os próprios astros permanece ainda, e este será o último clamor da humanidade, quando ela mesma estiver só, no final dos tempos, no incompreensível vale de Josafá.</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="margin-bottom: 7.1pt;"><i>Méditations d'un Solitaire en 1916</i>, ed. Mercure de France, Paris, s/d, p. 13-16.</div>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-71136274650240482572010-08-29T03:06:00.001-03:002013-07-18T02:08:10.586-03:00CNBBVejam que a denúncia do comprometimento do atual governo, e portanto de sua candidata, com a promoção do aborto feita por D. Luiz não vem de uma voz isolada dentre os Bispos do Brasil: a Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, que abrange as 41 dioceses do Estado de São Paulo, presidida por Dom José Benedito Simão, ex-diretor da Faculdade de Teologia da Arquidiocese de São Paulo e atualmente bispo de Assis (SP), acaba de divulgar o Apelo abaixo. Muito bem, senhores Bispos. Que Deus os abençoe e ilumine.<br />
<br />
<b>Apelo a Todos os Brasileiros e Brasileiras</b><br />
<br />
Nós, participantes do 2º Encontro das Comissões Diocesanas em Defesa da Vida (CDDVs), organizado pela Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB e realizado em S. André no dia 03 de julho de 2010,<br />
<br />
considerando que, em abril de 2005, no IIº Relatório do Brasil sobre o Tratado de Direitos Civis e Políticos, apresentado ao Comitê de Direitos Humanos da ONU (nº 45) o atual governo comprometeu-se a legalizar o aborto,<br />
considerando que, em agosto de 2005, o atual governo entregou ao Comitê da ONU para a Eliminação de todas as Formas de Descriminalização contra a Mulher (CEDAW) documento no qual reconhece o aborto como Direito Humano da Mulher,<br />
considerando que, em setembro de 2005, através da Secretaria Especial de Polítíca das Mulheres, o atual governo apresentou ao Congresso um substitutivo do PL 1135/91, como resultado do trabalho da Comissão Tripartite, no qual é proposta a descriminalização do aborto até o nono mês de gravidez e por qualquer motivo, pois com a eliminação de todos os artigos do Código Penal, que o criminalizam, o aborto, em todos os casos, deixaria de ser crime,<br />
considerando que, em setembro de 2006, no plano de governo do 2º mandato do atual Presidente, ele reafirma, embora com linguagem velada, o compromisso de legalizar o aborto,<br />
considerando que, em setembro de 2007, no seu IIIº Congreso, o PT assumiu a descriminalização do aborto e o atendimento de todos os casos no serviço público como programa de partido, sendo o primeiro partido no Brasil a assumir este programa,<br />
considerando que, em setembro de 2009, o PT puniu os dois deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso por serem contrários à legalização do aborto,<br />
considerando como, com todas estas decisões a favor do aborto, o PT e o atual governo tornaram-se ativos colaboradores do Imperialismo Demográfico que está sendo imposto em nível mundial por Fundações Internacionais, as quais, sob o falacioso pretexto da defesa dos direitos reprodutivos e sexuais da mulher, e usando o falso rótulo de "aborto - problema de saúde pública", estão implantando o controle demográfico mundial como moderna estratégia do capitalismo internacional,<br />
considerando que, em fevereiro de 2010, o IVº Congresso Nacional do PT manifestou apoio incondicional ao 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3), decreto nª 7.037/09 de 21 de dezembro de 2009, assinado pelo atual Presidente e pela ministra da Casa Civil, no qual se reafirmou a descriminalização do aborto, dando assim continuidade e levando às últimas consequências esta política antinatalista de controle populacional, desumana, antisocial e contrária ao verdadeiro progresso do nosso País,<br />
considerando que este mesmo Congresso aclamou a própria ministra da Casa Civil como candidata oficial do Partido dos Trabalhadores para a Presidência da República,<br />
considerando enfim que, em junho de 2010, para impedir a investigação das origens do financiamento por parte de organizações internacionais para a legalização e a promoção do aborto no Brasil, o PT e as lideranças partidárias da base aliada boicotaram a criação da CPI do aborto que investigaria o assunto,<br />
RECOMENDAMOS encarecidamente a todos os cidadãos e cidadãs brasileiros e brasileiras, em consonância com o art. 5º da Constituição Federal, que defende a inviolabilidade da vida humana e, conforme o Pacto de S. José da Costa Rica, desde a concepção, independentemente de sua convicções ideológicas ou religiosas, que, nas próximas eleições, deem seu voto somente a candidatos ou candidatas e partidos contrários à descriminalizacão do aborto.<br />
<br />
Convidamos, outrossim, a todos para lerem o documento "Votar Bem" aprovado pela 73ª Assembléia dos Bispos do Regional Sul 1 da CNBB, reunidos em Aparecida no dia 29 de junho de 2010 e verificarem as provas do que acima foi exposto no texto <a href="http://www.cnbbsul1.org.br/arquivos/defesavidabrasil.pdf">"A Contextualização da Defesa da Vida no Brasil"</a>, elaborado pelas Comissões em Defesa da Vida das Dioceses de Guarulhos e Taubaté, ligadas à Comissão em Defesa da Vida do Regional Sul 1 da CNBB, ambos disponíveis no site desse mesmo Regional.<br />
<br />
COMISSÃO em DEFESA da VIDA<br />
do REGIONAL SUL 1 da CNBBMallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-24722129972543764272010-07-24T03:09:00.017-03:002010-08-07T00:50:29.659-03:00CNB do B<div>Vejam só até onde andam as coisas: parece que por descuido, a CNBB publicou em seu site, no dia 19 de julho, o texto abaixo, escrito pelo Bispo de Guarulhos D. Luiz Gonzaga Bergonzini; dois ou três dias depois, como que por milagre, o texto simplesmente desapareceu, sumiu, foi para o espaço. Felizmente foi para o espaço cibernético e permaneceu disponível no <i>cache </i>do google (vejam ao pé desta a imagem do falecido e abduzido texto no referido site - é só clicar na imagem para ampliá-la e ver a confirmação googleana: a página foi assim visualizada no dia 21 de julho).</div><div>Com muito cuidado e caridade, D. Luiz escreveu o óbvio. Leiam abaixo. Não vou nem entrar no assunto "aborto", nem vou discutir se um Bispo tem direito de se manifestar a favor da vida. Fico apenas com o mistério: um texto que simplesmente evanesce no ar... </div><div><br />
</div><div><br />
</div><div><strong class="texto15azul">Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus</strong><span class="createdate"><br />
<i>Seg, 19 de Julho de 2010 13:02 </i></span><i> </i><span class="createby"><i> cnbb<br />
<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-style: normal;">Com esta frase Jesus definiu bem a autonomia e o respeito, que deve haver entre a política (César) e a religião (Deus). Por isto a Igreja não se posiciona nem faz campanha a favor de nenhum partido ou candidato, mas faz parte da sua missão zelar para que o que é de “Deus” não seja manipulado ou usurpado por “César” e vice-versa.</span></i></span></div><br />
Quando acontece essa usurpação ou manipulação é dever da Igreja intervir convidando a não votar em partido ou candidato que torne perigosa a liberdade religiosa e de consciência ou desrespeito à vida humana e aos valores da família, pois tudo isso é de Deus e não de César. Vice-versa extrapola da missão da Igreja querer dominar ou substituir-se ao estado, pois neste caso ela estaria usurpando o que é de César e não de Deus.<br />
<br />
Já na campanha eleitoral de 1996, denunciei um candidato que ofendeu pública e comprovadamente a Igreja, pois esta atitude foi uma usurpação por parte de César daquilo que é de Deus, ou seja o respeito à liberdade religiosa.<br />
<br />
Na atual conjuntura política o Partido dos Trabalhadores (PT) através de seu IIIº e IVº Congressos Nacionais (2007 e 2010 respectivamente), ratificando o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) através da punição dos deputados Luiz Bassuma e Henrique Afonso, por serem defensores da vida, se posicionou pública e abertamente a favor da legalização do aborto, contra os valores da família e contra a liberdade de consciência.<br />
<br />
Na condição de Bispo Diocesano, como responsável pela defesa da fé, da moral e dos princípios fundamentais da lei natural que - por serem naturais procedem do próprio Deus e por isso atingem a todos os homens -, denunciamos e condenamos como contrárias às leis de Deus todas as formas de atentado contra a vida, dom de Deus,como o suicídio, o homicídio assim como o aborto pelo qual, criminosa e covardemente, tira-se a vida de um ser humano, completamente incapaz de se defender. A liberação do aborto que vem sendo discutida e aprovada por alguns políticos não pode ser aceita por quem se diz cristão ou católico. Já afirmamos muitas vezes e agora repetimos: não temos partido político, mas não podemos deixar de condenar a legalização do aborto. (confira-se Ex. 20,13; MT 5,21).<br />
<br />
Isto posto, recomendamos a todos verdadeiros cristãos e verdadeiros católicos a que não dêem seu voto à Senhora Dilma Rousseff e demais candidatos que aprovam tais “liberações”, independentemente do partido a que pertençam.<br />
<br />
Evangelizar é nossa responsabilidade, o que implica anunciar a verdade e denunciar o erro, procurando, dentro desses princípios, o melhor para o Brasil e nossos irmãos brasileiros e não é contrariando o Evangelho que podemos contar com as bênçãos de Deus e proteção de nossa Mãe e Padroeira, a Imaculada Conceição.<br />
<div><br />
<b>Dom Luiz Gonzaga Bergonzini</b></div><div><b><br />
</b></div><div><b><span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal;">O texto ainda está online no site da Diocese de Guarulhos. <a href="http://www.diocesedeguarulhos.org.br/miolo.asp?fs=menu&seq=697&gid=950" target="blank">Clique aqui para vê-lo.</a> </span></b></div><div><b><span class="Apple-style-span" style="font-weight: normal;"><br />
</span></b><br />
<div><br />
</div><div><br />
</div><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcQAIZxERdl6Ypevc8TASIF9nBoVzjQTsoI3HyOplgo_Ale5daAUcepl4XzMk2YXKpvPQcr5nwFtbCGPrB-MZQ6x3vYS8ydOzfwsB1IgouMlnqu9MQLtrEk_-Vt0jTxdUqzPF00_E9sTc/s1600/d.+luiz+gonzaga+cnbb.jpg" onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5497359488925547698" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcQAIZxERdl6Ypevc8TASIF9nBoVzjQTsoI3HyOplgo_Ale5daAUcepl4XzMk2YXKpvPQcr5nwFtbCGPrB-MZQ6x3vYS8ydOzfwsB1IgouMlnqu9MQLtrEk_-Vt0jTxdUqzPF00_E9sTc/s400/d.+luiz+gonzaga+cnbb.jpg" style="cursor: hand; cursor: pointer; display: block; height: 320px; margin: 0px auto 10px; text-align: center; width: 282px;" /></a></div>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com11tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-79299330217914477592010-07-17T04:49:00.002-03:002010-07-26T00:51:44.770-03:00Jean Borella: A Crise do Simbolismo Religioso - Introdução<h1 style="margin-left:0cm;text-indent:0cm"></h1><h1 style="margin-left:0cm;text-indent:0cm"></h1><h1 style="margin-left:0cm;text-indent:0cm"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">INTRODUÇÃO GERAL</span></h1> <h1 style="margin-left:0cm;text-indent:0cm"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">OBJETIVO E PLANO DO LIVRO</span></h1> <p class="MsoNormal"><o:p><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span></o:p></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">I – Há mais de trezentos anos, certo pensamento filosófico, no afã de realizar a missão de que, no seu próprio entender, foi investido pela ciência, guerreia contra a alma religiosa da humanidade. O lugar próprio e objeto desse combate é o campo do simbolismo sagrado, pois a religião só pode ser compreendida através das formas (sensíveis e intelectuais) que a exprimem e fazem existir culturalmente. Desencadeando esse conflito, a filosofia queria única e simplesmente purificar a razão humana, quer dizer, restituí-la em seu estado natural despojando-a de todas as impurezas acumuladas pela ignorância e pela superstição. Todavia, à medida que se desenvolvia essa vasta crítica da razão religiosa, impunha-se a obrigação, não somente de combatê-la, mas também de explicar seu surgimento na história humana. Erguendo-se contra a religião, a razão não tardaria a perceber que seu inimigo residia em si mesma, no segredo da consciência humana. Ela tentou extirpá-lo, tentativa que, em trezentos anos, conduziu a crítica filosófica à rejeição até da razão pura, destituída de sua pretensão hegemônica, e portanto a uma espécie de suicídio especulativo de que o pós-estruturalismo dá hoje espetáculo: a alma religiosa morrendo arrasta consigo a alma racional.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Uma vez que essa autodestruição é na verdade impossível (nem Deus, nem a inteligência podem “morrer”), devemos questionar esses três séculos de filosofia europeia</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn1" name="_ftnref1" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[1]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, e buscar, através da imensa rede de proteções antirreligiosas com que a crítica racionalista cercou-se, a orientação natural da inteligência para o sagrado. E, como o sagrado existe para nós sempre sob a forma de símbolos, salvar a inteligência desses enganos é ordená-la ao simbolismo, fazer com que converta-se ao símbolo é reconduzir o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> para o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">mythos.</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> Mas a inteligência obedece unicamente a si mesma, quer dizer à evidência do verdadeiro. Seria necessário, para operar essa conversão, provar racionalmente a verdade dos símbolos religiosos? Ora, esta é uma tarefa impossível e aliás contraditória: se a inteligência pudesse demonstrar a verdade dos símbolos, ela não teria nenhuma necessidade de sua mediação para atingir o Transcendente que neles se presentifica e se dá a conhecer. Em outras palavras, a fé seria inútil e cederia seu lugar à razão. Isso nos dá uma ideia da importância do nosso assunto, bem como da amplitude e abundância dos debates que ele suscitou. Foi entretanto essa via </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">direta</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> (e positiva) que seguiu a mais vasta tentativa filosófica dos tempos modernos, o hegelianismo: reconciliar o saber e a fé, o espírito e as formas culturais de que se revestiu, pela redução de sua contingência à necessidade lógica de seu surgimento, constituindo assim uma pseudognose racionalista e totalitária. O preço pago foi o da própria Transcendência, que desapareceu e mergulhou na indefinitude de suas formas imanentes, o que desembocou no necessitarismo mais sistemático e horizontal possível.</span></p> <p class="MsoNormal"><o:p><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span></o:p></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">II – Era preciso então recusar a via direta, e certamente jamais pensamos em provar dedutivamente a verdade do simbolismo religioso. Ao contrário, acreditamos que é preciso manter um hiato, humanamente intransponível, entre a inteligência e os símbolos (análogo ao que separa o sujeito cognoscente dos objetos conhecidos, naturalmente ou por revelação), pois é justamente aceitando essa distância que o intelecto realiza a verdade de sua natureza: a inteligência é relação e não acede à sua identidade senão por meio de sua ordenação consentida à alteridade do ser; ela somente “integra” aquilo a que se submete. Levar a inteligência filosófica a </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">consentir</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> especulativamente nessa submissão, eis o que designamos como sua conversão ao símbolo, e tal era a tarefa que se nos impunha. Por isso, a única solução era o que denominamos de via </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">indireta</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> ou </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">negativa.<o:p></o:p></span></i></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Esta via consiste em mostrar como a revolta contra o símbolo, se levada até o fim, conduz a razão a sua própria destruição. Ora, evidentemente a razão não tem o poder de aniquilar a si mesma: quem racionalmente nega a razão afirma-a. Só resta então abrir-se para a inteligência do símbolo a fim de receber sua luz. Nossa </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">démarche, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">pode-se ver, assemelha-se à de Descartes nas </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Meditações metafísicas</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">: através de uma </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">dubitatio universalis</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> (o exercício de uma dúvida universal), estabelecer a necessidade de uma conversão intelectual ao simbolismo. Também se pode ver as diferenças. Diferença de objeto: não é mais com suas representações ideais que a consciência deve procurar romper (a fim de </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">constatar</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> a resistência que sua própria existência consciente oferece a essa dúvida), é com suas representações religiosas. Diferença de terreno: o lugar para o exercício da </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">dubitatio</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> não é mais o do conhecimento, mas o da cultura, de acordo com a natureza da crise filosófica de nosso tempo, que não é mais, como em Descartes, a de nossa situação cognitiva (ligada ao surgimento da ciência no século XVII), mas a de nossas raízes culturais (ligada aos transtornos de nossa maneira de viver através das técnicas e pelo desmoronamento das sociedades no século XX). Diferença de método, enfim: é inútil proceder “artificialmente”, através de meditações pouco “naturais”, como diz Descartes; basta acompanhar o trabalho de desconstrução do símbolo tal como o realizou a história do pensamento europeu ao longo de mais de trezentos anos e que hoje parece estar completamente acabado.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Ora, todo trabalho de desconstrução revela os elementos e as articulações do que foi desconstruído, as diversas fases de sua execução correspondendo necessariamente aos diversos elementos da entidade desconstruída, e sua sucessão sendo determinada pelas relações que ordenam-nos uns aos outros. Tal é a simplíssima ideia que presidiu a constituição deste livro: a crise do simbolismo é determinada pela estrutura mesma do signo simbólico e só pode desenvolver-se de acordo com a lógica de suas articulações. Devemos agora recordar essa estrutura e essa lógica.</span></p> <p class="MsoNormal"><o:p><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span></o:p></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">III – Mostramos, em </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">História e teoria do símbolo, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">que o aparato simbólico é constituído pela relação viva que une o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">significante, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">significado</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> e o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">referente</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> particular – o que é chamado “triângulo semântico” – sob a jurisdição de um quarto elemento que denominamos </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">referente metafísico</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> (ou transcendente), no qual os três primeiros encontram seu princípio de unidade; o significante (ou “simbolizante”) é geralmente de natureza sensível; o significado, de natureza mental, identifica-se à ideia que o significante evoca em nosso espírito, naturalmente ou culturalmente; o referente particular, é o objeto não visível (acidentalmente ou essencialmente) que o símbolo, em função de seu significado, pode designar (a designação do referente, ou determinação do significado, é a tarefa própria da hermenêutica, ou ciência da interpretação); quanto ao referente metafísico, sempre esquecido e entretanto fundamental, pois é ele que faz do signo um verdadeiro símbolo, é o arquétipo – ou o princípio metacósmico – do qual o significante, o significado e o referente particular são manifestações distintas. Vejamos, por exemplo, o símbolo da água; o significante, é o elemento líquido, a coisa que designamos por esse nome; o significado, é a ideia, evocada pela imagem da água, de um “material” que pode tomar todas as formas e não manter nenhuma; o referente particular, o que o signo designa, relaciona-se, conforme o caso, à formação do mundo (“o Espírito de Deus pairava sobre as águas”), a regeneração da alma (a água batismal), ou outros objetos; o referente metafísico, enfim, é a Possibilidade universal, o significante “água” é a imagem corporal, o significado “substância protoplásmica” é a forma mental, os referentes “águas primordiais” ou “água batismal” são modos de manifestação, cosmogônica uma, ritual a outra</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn2" name="_ftnref2" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[2]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">. Cada um desses elementos encontra então no referente metafísico seu princípio único e unificante. Disto resulta que, do ponto de vista desse referente supremo, não há diferença radical entre simbolizante, significado e referente, que são modos de manifestação do referente-arquétipo, e portanto que o que é simbolizado pode por sua vez tornar-se simbolizante: as águas primordiais ou purificadoras são símbolos, cósmicos ou rituais, da Possibilidade infinita, assim como a substância protoplásmica e sempre virgem é seu símbolo mental ou conceitual. A única distinção radical situa-se entre o Incriado, sempre simbolizado, nunca simbolizante</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn3" name="_ftnref3" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[3]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, e os múltiplos graus do criado, cada um dos quais, salvo o mais baixo, é simbolizado pelo grau inferior e simbolizante do grau superior: meio de presença do superior no inferior, o símbolo simboliza portanto por </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">presentificação</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> e não por representação; este é seu ato específico, seu modo próprio de significação.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Mas o símbolo não opera somente, do ponto de vista do referente metafísico, uma “distinção-unificação” </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">vertical</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> de diversos graus de realidade; opera também, e em consequência, uma “diferenciação-mediação” </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">horizontal</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> no plano da existência humana. Enquanto signo, com efeito, interpõe sua mediação entre o homem e o mundo, despertando-nos à consciência diferencial do sujeito e do objeto, e permite-nos ao mesmo tempo entrar em relação com as coisas. Em suma, a triangulação significante-significado-referente é uma consequência, no interior do próprio símbolo, da triangulação signo-homem-mundo (ou cultura-consciência-natureza, ou revelação-alma-criação) que estrutura o campo da existência humana.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Essas duas maneiras de operar, normalmente indissociáveis</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn4" name="_ftnref4" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[4]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, podem entretanto conduzir a duas concepções antagonistas do signo simbólico. Considerado em sua integralidade, de acordo com a visão das sociedades tradicionais, o símbolo é definido sinteticamente como o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">raio semântico</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> que, atravessando todos os graus de ser, une o significante corporal ao referente metafísico</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn5" name="_ftnref5" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[5]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, o que se traduz analiticamente, quanto à sua realidade de </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">signo</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, sob a forma do triângulo semântico: raio e triângulo semânticos definem respectivamente o aspecto “símbolo” e o aspecto “signo” do signo simbólico. Mas, para uma civilização racionalista e cientista, tal referente metafísico simplesmente não existe – a menos que (é a tese de Kant) sua transcendência impeça justamente toda presentificação cósmica. Este ponto de vista negativo é evidentemente o da crítica filosófica do simbolismo, é mesmo seu axioma primeiro. Vemos assim que jamais haveria crise do simbolismo religioso, se o signo simbólico não comportasse essa dimensão transcendente do raio semântico, pois é ela que suscitou a reação racionalista e naturalista; mas, sem ela, jamais haveria nem simbolismo, nem religião. A obstinação em dar uma definição puramente lógica e formal do símbolo, aplicando-a a todas as entidades a que se atribui, às vezes erroneamente, essa denominação (é o caso mesmo dos tratados escolásticos), impede totalmente a compreensão do questionamento das formas do sagrado que ocorre entretanto diante dos nossos olhos. Saibamos de uma vez por todas: ao falar do símbolo, a Tradição e os modernos não falam da mesma coisa. </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Todas</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> as dificuldades ou bizarrices da simbologia decorrem disto. E a redução do símbolo ao triângulo semântico, e até ao binômio significante-significado, só é possível a partir da negação explícita de sua dimensão metafísica. Descobrimos assim que simbolismo e metafísica estão intimamente associados; tal é a conclusão maior de nosso livro: é necessariamente com um mesmo movimento que a banalidade do racionalismo aplastra esse </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">relevo do espírito</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> que é a visão metafísica das coisas e essa misteriosa dimensão de interioridade que habita as formas simbólicas.</span></p> <p class="MsoNormal"><o:p><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span></o:p></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">IV – Devemos agora retornar a um ponto que somente mencionamos: trata-se da hermenêutica. É ela que faz “funcionar” o símbolo, é ela que, como dissemos, assinala ao símbolo seu referente. Ora, a hermenêutica só pode fazer os símbolos falarem em sua própria linguagem, a da inteligência racional, e portanto, segundo a concepção que o entendimento faz do real. Toda hermenêutica é função de uma certa filosofia, explícita ou implícita, do ser e dos seres, e depende do que denominamos uma ontocosmologia de referência, que condicionará a determinação do referente. Enfim, a hermenêutica, que é a efetuação do significado, assinalará um referente a um significante sobre a base daquilo que lhe pareça cosmologicamente e ontologicamente possível. Assim, para que o significante “água” possa simbolizar a “matéria prima” (nível cosmológico), ou as “possibilidades criadoras” (nível ontológico), duas condições são requeridas: que essas noções correspondam a realidades objetivas, por um lado; e que a água possa ser tomada, em sua substância mesma, como a manifestação ou presentificação física da </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">materia prima</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> ou da potencialidade criadora, por outro lado. Dito de outra maneira: é preciso que o hermeneuta adira à doutrina da multiplicidade hierárquica dos graus de realidade (ou </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">ontologia escalar</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">), e à de sua unidade essencial (ou teoria da correspondência universal). O que, afinal de contas, equivale a afirmar a função teofânica do cosmos: o céu e a terra não revelam Deus apenas sob a forma de uma Causa impossível de conhecer, eles “proclamam Sua glória”. A criação inteira, enquanto “Deus visível”, é hermeneuta do Deus invisível, como o simbolismo religioso é hermeneuta da teofania cósmica</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn6" name="_ftnref6" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[6]</span></span></span></span></a></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">É precisamente isto o que o surgimento da ciência galileana, no início do século XVII, parece condenar definitivamente: a revolução cosmológica que ela opera arruína qualquer possibilidade de teofania natural. Ela desencadeia assim na Europa a crise do simbolismo religioso, e é portanto por seu estudo que devemos começar.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Certamente não pretendemos que Galileu se tenha proposto elaborar uma crítica do simbolismo, embora tenha abordado a questão por várias vezes. Mas, ainda que indiretamente, a nova ciência não poderia deixar de ter seus efeitos sobre as formas do sagrado. Ela constitui o primeiro momento da </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">crise</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> do simbolismo por ter destruído seu fundamento ontocosmológico. E é estudada aqui somente sob esse aspecto. Ora, se admitirmos que o ato final do simbolismo realiza-se na determinação do referente, compreenderemos também que o momento inicial ou inaugural da crise pode ser definido como a suspensão da referência: sob a influência da nova física, os símbolos sagrados perdem tanto seu referente metafísico, do qual deixam de ser a presentificação, quanto seus referentes particulares, cuja existência objetiva é negada. Vê-se que o primeiro momento da crise concerne necessariamente ao último polo do triângulo simbólico. Por isso nossa primeira parte bem poderia intitular-se: </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">A negação do referente ou a destruição do mitocosmo.<o:p></o:p></span></i></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Em suma, o efeito da revolução galileana sobre o simbolismo religioso foi transformar o signo simbólico em “substituto fictício”, foi conferir à palavra símbolo o sentido único e degradado de “entidade não real”. É simbólico aquilo que visa explicitamente exercer em aparência as funções do real: o signo aqui de certa maneira absorveu o símbolo; ou ainda, o símbolo, amputado do raio semântico, fica reduzido à horizontalidade de sua estrutura triangular. Deve-se notar ainda que o referente particular torna-se ele mesmo problemático, pois a relação que mantém com o significante perdeu seu fundamento objetivo. Essa relação, que é propriamente o que denominamos significado do símbolo, privada de tal fundamento, reduz-se então a uma produção subjetiva da consciência religiosa</span><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftn7" name="_ftnref7" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">[7]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">. O que é o referente “criação do mundo” ou “purificação da alma” além de sua designação como símbolo? Nada mais, responde a filosofia moderna, do que uma superstição ou uma hipótese jamais verificável. E o que é o significante “água” afora seu uso simbólico? Nada mais, responde a nova física, do que um elemento corporal. É o espírito humano, e somente ele, ou melhor sua imaginação, que une um à outra; e é portanto no funcionamento desse espírito que reside a explicação da produção dos símbolos.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Como se pode ver, a </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">crise</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> do simbolismo toma então expressamente a forma de uma </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">crítica</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> da religião. E essa crítica incide necessariamente sobre o segundo polo do triângulo do símbolo, ou seja sobre o significado cuja gênese situa-se no fundo de uma consciência religiosa desconhecida de si mesma. Este é o lugar próprio e central da crítica do signo simbólico, e portanto é também o momento mais importante na crise do simbolismo. À hermenêutica tradicional dos símbolos sagrados, a razão filosófica opõe uma hermenêutica desmitificante da consciência religiosa: o significado dos símbolos não é o que se pensava porque a consciência religiosa não sabe o que diz. Por isso nossa segunda parte bem se pode intitular: </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">A subversão</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">do significado ou a neutralização da consciência religiosa.<o:p></o:p></span></i></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Pensava-se assim ter curado a alma para sempre da loucura religiosa. Entretanto, concentrando todos os esforços de sua crítica na subjetividade de uma consciência alienada, a filosofia esqueceu-se dos próprios símbolos. Ela talvez explicasse o processo de simbolização (ao menos a seus próprios olhos), mas, certamente, deixava inexplicados os símbolos enquanto tais, em sua contingência e variedade. É entretanto neles, é o que diz essa crítica, que o homem descobre a verdade sobre si mesmo. Como não acabariam eles por monopolizar a atenção do pensamento moderno? Compreender de que inconsciência nossa consciência é feita, e como, enganando-se a si mesma, produz sem perceber toda a simbólica religiosa, desperta de início o mais vivo interesse, e mesmo um reconhecimento admirativo pelos sutis hermeneutas que souberam desmontar o estratagema. Chega entretanto o momento em que, esgotado esse gênero de interesse, a questão se desloca: que a consciência engane-se a si mesma e se oculte, muito bem; mas por que sob tal disfarce e não sob outro? É então o primeiro polo do triângulo semântico, o significante enquanto tal, em sua singularidade, que vem enfim ao primeiro plano, depois que o referente e o significado, definitivamente neutralizados, deixaram de ocupar o primeiro plano da cena crítica. Com isto somos conduzidos à terceira fase da crise do simbolismo; daí o título de nossa terceira parte: </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">O império do significante ou o esfacelamento do símbolo, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">consagrada essencialmente aos estruturalismos contemporâneos. Podemos avaliar a diferença no tratamento que essas três críticas infligem ao símbolo: se a primeira nega o referente, se a segunda subverte o significado, a terceira exalta o significante, confiando-lhe aliás uma carga esmagadora: agora são as unidades significantes que, é o que se pretende, organizam o campo cultural e que portanto estruturam tanto a consciência quanto a razão. O </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">, destituído de sua realeza, torna-se um simples efeito do funcionamento da ordem dos signos.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Tal é a conclusão geral a que chega, segundo seu próprio testemunho, a filosofia contemporânea, e que põe a questão do simbolismo sagrado no cerne dos debates especulativos do Ocidente. É também essa conclusão que nos conduz ao princípio metafísico de toda </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">démarche</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> intelectual, e que compõe o título de nossa quarta parte: </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">O princípio semântico ou a evidência primeira do logos. </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Era com efeito necessário que o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> fosse até o limite de sua autopurificação para que </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">experimentasse</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> seu caráter impossivelmente suicida (a exigência de sentido é absoluta) e reconhecesse a indissolubilidade </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">de facto</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> de sua relação ao símbolo. É a isto que tende nossa interpretação do célebre paradoxo de Epimênides, ao qual atribuímos o valor de uma prova iniciática para entrar na via filosófica. Fica assim estabelecida, </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">per absurdum, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">a essencial conjunção do </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> e do </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">mythos, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">e portanto reconhecido, em sua necessidade, o fato do simbolismo religioso: ninguém pode extirpar o sagrado da alma humana sem destruí-la. Quanto aos símbolos, não se pode ir mais longe: demonstrar racionalmente sua necessidade lógica equivaleria a negar o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">mythos,</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> fundamentando-o dedutivamente sobre o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> e portanto reduzindo-o. Mas quanto ao intelecto, é possível transformar em uma ordenação legítima a relação de fato que o une ao símbolo. Meditando sobre o argumento ontológico, na formulação que lhe dá Santo Anselmo, a inteligência, defrontando-se com a suprema tarefa de pensar o Infinito, descobre sua própria natureza teofânica.</span></p> <p class="MsoNormal"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Assim alcançamos nossa quinta e última parte, onde opera-se enfim </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">A conversão da inteligência ao símbolo, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">que é, em verdade, o </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">princípio hermenêutico</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> fundamental. Se com certeza a exigência de sentido, constitutiva da inteligência, prevalece absolutamente, ela entretanto só pode realizar-se na renúncia (aparente) à sua própria luz e em sua submissão à revelação do símbolo. Se meditarmos no caminho percorrido veremos que face às exigências de uma autêntica filosofia não é possível haver outro. O que significa também que, nessa conversão, resolve-se o conflito da razão e da fé, da universalidade do </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">logos</span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"> perante a contingência das culturas religiosas: aqui, o sentido une-se ao ser, a inteligência informal une-se às formas sagradas, morre nelas e ressuscita transfigurando-as. Ao impossível suicídio especulativo de uma razão ilusoriamente desmitificada responde o sacrifício de um intelecto que só encontra sua realização na mediação crucificante do símbolo, como nos ensina, exemplarmente, o mistério da Noite pascal.</span></p> <p class="MsoNormal" align="right" style="margin-top:0cm;margin-right:56.25pt; margin-bottom:0cm;margin-left:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:right"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Na festa de Santo Ireneu de Lion,</span></p> <p class="MsoNormal" align="right" style="margin-top:0cm;margin-right:56.25pt; margin-bottom:0cm;margin-left:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:right"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">defensor da gnose no verdadeiro sentido,</span></p> <p class="MsoNormal" align="right" style="margin-top:0cm;margin-right:56.25pt; margin-bottom:0cm;margin-left:0cm;margin-bottom:.0001pt;text-align:right"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">28 de junho de 1989,</span></p> <p class="MsoNormal" align="right" style="margin-top:5.65pt;margin-right:56.25pt; margin-bottom:2.85pt;margin-left:0cm;text-align:right"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">Jean Borella</span></p> <div style="mso-element:footnote-list"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;"><br /></span> <hr align="left" size="1" width="33%"> <div id="ftn1"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref1" name="_ftn1" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[1]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> Nem toda a filosofia europeia é antirreligiosa. Mas toda a filosofia moderna – a que se quer propriamente filosófica e moderna – o é.</span></p> </div> <div id="ftn2"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref2" name="_ftn2" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[2]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> Pode-se aplicar esta análise a outros símbolos, à cruz por exemplo: o significante, é a intersecção ortogonal de dois segmentos de reta; o sentido, é a ideia de conjunção entre dois elementos ou duas ordens diferentes; o referente particular, pode ser o sacrifício de Cristo, a Santíssima Trindade, o encontro do raio criador com um plano de existência, ou do Céu e da Terra, ou do divino e do humano; o referente metafísico, é a implicação recíproca da Transcendência absoluta e da Imanência total.</span></p> </div> <div id="ftn3"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref3" name="_ftn3" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[3]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> Existe entretanto um protótipo incriado do simbolismo: o Filho é símbolo do Pai no espelho do Espírito. Nesse sentido, o Verbo, lugar divino dos arquétipos, síntese de todas as possibilidades de criação, identifica-se ao Ser como princípio dos existentes e deve ser visto como o Simbolizante supremo de que o Espírito Santo é o supremo Hermeneuta, e o Pai o supremo Referente. Reencontramos assim, transposto em modo principial, o triângulo semântico. Quanto ao referente metafísico, que evidentemente não é um referente no sentido próprio do termo, e que constitui a identidade dos polos do triângulo, ele corresponde à Essência divina ou Deidade.</span></p> </div> <div id="ftn4"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref4" name="_ftn4" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[4]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> A primeira corresponde à essência do símbolo, a segunda à sua existência como entidade significante.</span></p> </div> <div id="ftn5"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref5" name="_ftn5" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[5]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> Considerado de cima para baixo, a partir do Princípio, o raio semântico corresponde ao raio criador.</span></p> </div> <div id="ftn6"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref6" name="_ftn6" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[6]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> O que não implica em nenhum panteísmo. O mundo só proclama de Deus o que d'Ele é enunciável. Sua glória (ou irradiação da Sua palavra criadora), não sua Essência absoluta. O que não é pouco: sabemos assim que Deus tem a beleza da rosa, a força do leão, a pureza da água, o esplendor da luz, a majestade de uma montanha, a imensidão do oceano, a doçura do leite, a nobreza da águia, a sabedoria do elefante, a realeza do sol, a profundeza da noite, a perfeição do céu, o rigor da morte, a alegria da vida, a centralidade do homem, e assim por diante; mas tudo isto subsiste n'Ele em um modo supereminente e inefável.</span></p> </div> <div style="mso-element:footnote" id="ftn7"> <p class="MsoFootnoteText"><a href="file:///C:/Documents%20and%20Settings/Roberto/Meus%20documentos/Escritura/La%20Crise%20du%20symbolisme%2000%20introdu%C3%A7%C3%A3o.doc#_ftnref7" name="_ftn7" title=""><span class="Caracteresdenotaderodap"><span class="Caracteresdenotaderodap"><span style="font-family: 'Times New Roman'; "><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">[7]</span></span></span></span></a><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"> A palavra “consciência” só adquire correntemente o sentido de “conhecimento de si e dos estados do sujeito” em torno da metade do século XVIII. Parece ter sido Descartes, um século antes, quem inaugurou (em francês) esse uso: “meu pensamento ou minha consciência” (Carta de 19.1.1642); em latim, cf. </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Réponses aux IIIe objections, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">édition Alquié, p. 605. Malebranche segue seu exemplo: </span><i><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Recherche de la vérité, </span></i><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">III, II, VII, 4.</span></p> </div></div><div style="mso-element:footnote-list"><div style="mso-element:footnote" id="ftn7"> </div></div><div style="mso-element:footnote-list"><div style="mso-element:footnote" id="ftn7"> </div></div>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-49128172838546593342010-07-17T01:53:00.001-03:002010-07-26T00:52:00.831-03:00Dercy fala sobre teatroEm show de 1983 Dercy Gonçalves solta o verbo. Sobre teatro, cultura brasileira, intelectuais...<div><br /></div><div><br /></div><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/1qPaurkILUk&hl=pt&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/1qPaurkILUk&hl=pt&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><div><br /></div><div><br /></div><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/hJSZ5MlI33s&hl=pt&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/hJSZ5MlI33s&hl=pt&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-18876633406867607512010-07-17T00:48:00.005-03:002010-07-17T01:44:41.041-03:00Machado de Assis: Idéias sobre o Teatro<p align="CENTER" style="margin-bottom: 1.28cm"><span class="Apple-style-span" style=" line-height: 16px; font-family:Verdana, Verdana;font-size:small;"><b>I</b></span></p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A arte dramática não é ainda entre nós um culto; as vocações definem-se e educam-se como um resultado acidental. As perspectivas do belo não são ainda o ímã da cena; o fundo de uma posição importante ou de um emprego suave, é que para lá impele as tendências balbuciantes. As exceções neste caso são tão raras, tão isoladas que não constituem um protesto contra a verdade absoluta da asserção. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:100%;"><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">Não sendo, pois, a arte um culto, a idéia desapareceu do teatro e ele reduziu-se ao simples foro de uma secretaria de Estado. Desceu para lá o </span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"><i>oficial </i></span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">com todos os seus atavios: a pêndula marcou a hora do trabalho, e o talento prendeu-se no monótono emprego de copiar as formas comuns, cediças e fatigantes de um aviso sobre a regularidade da limpeza púbica. </span></span></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Ora, a espontaneidade pára onde o oficial começa; os talentos, em vez de se expandirem no largo das concepções infinitas, limitaram-se à estrada indicada pelo resultado real e representativo das suas fadigas de trinta dias. Prometeu atou-se ao Cáucaso. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Daqui uma porção de páginas perdidas. As vocações viciosas e simpáticas sufocaram debaixo da atmosfera de gelo, que parece pesar, como um sudário de morto sobre a tenda da arte. Daqui o pouco ouro que havia. lá vai quase que despercebido no meio da terra que preenche a âmbula sagrada. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Serão desconhecidas as causas dessa prostituição imoral? Não é difícil assinalar a primeira, e talvez a única que maiores efeitos tem produzido. Entre nós não há iniciativa. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não há iniciativa, isto é, não há mão poderosa que abra uma direção aos espíritos; há terreno, não há semente; há rebanho, não há pastor; há planetas, mas não há outro sistema. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A arte para nós foi sempre órfã; adornou-se nos esforços, impossíveis quase, de alguns caracteres de ferro, mas, caminho certo, estrela ou alvo, nunca os teve. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Assim, basta a boa vontade de um exame ligeiro sobre a nossa situação artística para reconhecer que estamos na infância da moral; e que ainda tateamos para darmos com a porta da adolescência que parece escondida nas trevas do futuro. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A iniciativa em arte dramática não se limita ao estreito círculo do tablado — vai além da rampa, vai ao povo. As platéias estão aqui perfeitamente educadas? A resposta é negativa. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Uma platéia avançada, com um tablado balbuciante e errado, é um anacronismo, uma impossibilidade. Há uma interna relação entre uma e outro. Sófocles hoje faria rir ou enjoaria as massas, e as platéias gregas pateariam de boa vontade uma cena de Dumas ou Barrière. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A iniciativa, pois, deve ter uma mira única: a educação. Demonstrar aos iniciados as verdades e as concepções da arte; e conduzir os espíritos flutuantes e contraídos da platéia à esfera dessas concepções e dessas verdades. Desta harmonia recíproca de direções acontece que a platéia e o talento nunca se acham arredados no caminho da civilização. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Aqui há um completo deslocamento: a arte divorciou-se do público. Há entre a rampa e a platéia um vácuo imenso de que nem um nem outra se apercebe. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A platéia ainda dominada pela impressão de uma atmosfera, dissipada hoje no verdadeiro mundo da arte, — não pode sentir claramente as condições vitais de uma nova esfera que parece encerrar o espírito moderno. Ora, à arte tocava a exploração dos novos mares que se lhe apresentam no horizonte, assim como o abrir gradual, mas urgente, dos olhos do público. Uma iniciativa firme e fecunda e </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">o elixir necessário à situação; um dedo que, grupando platéia e tablado, folheie a ambos a grande bíblia da arte moderna com toda as relações sociais, é do que precisamos na atualidade. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Hoje não há mais pretensões, creio eu, de metodizar uma luta de escola, e estabelecer a concorrência de dois princípios. É claro ou é simples que a arte não pode aberrar das condições atuais da sociedade para perder-se no mundo labiríntico das abstrações. O teatro é para o povo o que o Coro era para o antigo teatro grego; uma iniciativa de moral e civilização. Ora, não se pode moralizar fatos de pura abstração em proveito das sociedades; a arte não deve desvairarse no doido infinito das concepções ideais, mas identificar-se com o fundo das massas; copiar, acompanhar o povo em seus diversos movimentos, nos vários modos da sua atividade. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Copiar a civilização existente e adicionar-lhe uma partícula, é uma das forças mais produtivas com que conta a sociedade em sua marcha de progresso ascendente. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Assim os desvios de uma sociedade de transição lá vão passando e à arte moderna toca corrigi-la de todo. Querer levantar luta entre um princípio falso, decaído, e uma idéia verdadeira que se levanta, é encerrar nas grades de uma gaiola as verdades puras que se evidenciavam no cérebro de Salomão de Caus. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Estas apreensões são tomadas de alto e constituem as bordas da cratera que é preciso entrar. Desçamos ate as aplicações locais. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A arena da arte dramática entre nós é tão limitada, que é difícil fazer aplicações sem parecer assinalar fatos, ou ferir individualidades. De resto, é de sobre individualidades e fatos que irradiam os vícios e as virtudes, e sobre eles assenta sempre a análise. Todas as suscetibilidades, pois, são inconseqüentes, — a menos que o erro ou a maledicência modelem estas ligeiras apreciações. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A reforma da arte dramática estendeu-se até nós e pareceu dominar definitivamente uma fração da sociedade. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Mas isso é o resultado de um esforço isolado operando por um grupo de homens. Não tem ação larga sobre a sociedade. Esse esforço tem-se mantido e produzido os mais belos efeitos; inoculou em algumas artérias o sangue das novas idéias, mas não o pôde ainda fazer relativamente a todo o corpo social. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não há aqui iniciativa direta e relacionada com todos os outros grupos e filhos da arte. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A sua ação sobre o povo limita-se a um círculo tão pequeno que dificilmente faria resvalar os novos dogmas em todas as direções sociais. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Fora dessa manifestação singular e isolada, — há algumas vocações que de bom grado acompanhariam o movimento artístico de sorte a tomarem uma direção mais de acordo com as opiniões do século. Mas são ainda vocações isoladas, manifestações impotentes. Tudo é abafado e se perde na grande massa. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Assinaladas e postas de parte certas crenças ainda cheias de fé, esse amor ainda santificado, o que resta? Os mercadores entraram no templo e lá foram pendurar as suas alfaias de fancaria. São os jesuítas da arte; os jesuítas expuseram o Cristo por tabuleta e curvaram-se sobre o balcão para absorver as fortunas. Os novos invasores fizeram o mesmo, a arte é a inscrição com que parecem absorver fortunas e seiva. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A arte dramática tornou-se definitivamente uma carreira pública. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Dirigiram mal as tendências e o povo. Diante das vocações colocaram os horizontes de um futuro inglório, e fizeram crer às turbas que o teatro foi feito para passatempo. Aquelas e este tomaram caminho errado; e divorciaram-se na estrada da civilização. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Deste mundo sem iniciativa nasceram o anacronismo, as anomalias, as contradições grotescas, as mascaradas, o marasmo. A musa do tablado doidejou com os vestidos de arlequim, — no meio das apupadas de uma multidão ébria. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:100%;"><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">É um </span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"><i>fiat </i></span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">de reforma que precisa este caos. </span></span></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Há mister de mão hábil que ponha em ação, com proveito para a arte e para o país, as subvenções improdutivas, empregadas na aquisição de individualidades parasitas. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Esta necessidade palpitante não entra na vista dos nossos governos. Limitam-se ao apoio material das subvenções e deixam entregue o teatro a mãos ou profanas ou maléficas. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 1.28cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">O desleixo, as lutas internas, são os resultados lamentáveis desses desvios da arte. Levantar um paradeiro a essa corrente despenhada de desvarios, é a obra dos governos e das iniciativas verdadeiramente dedicadas. </span></span></span> </p> <p align="CENTER" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;"><b>II </b></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Se o teatro como tablado degenerou entre nós, como literatura é uma fantasia do espírito. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não se argumente com meia dúzia de tentativas, que constituem apenas uma exceção; o poeta dramático não é ainda aqui um sacerdote, mas um crente de momento que tirou simplesmente o chapéu ao passar pela porta do templo. Orou e foi caminho. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">O teatro tornou-se uma escola de aclimatação intelectual para que se transplantaram as concepções de estranhas atmosferas, de céus remotos. A missão nacional, renegou-a ele em seu caminhar na civilização; não tem cunho local; reflete as sociedades estranhas, vai ao impulso de revoluções alheias à sociedade que representa, presbita da arte que não enxerga o que se move debaixo das mãos. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Será aridez de inteligência? não o creio. É fecunda de talentos a sociedade atual. Será falta de ânimo? talvez; mas será essencialmente falta de emulação. Essa é a causa legítima da ausência do poeta dramático; essa não outra. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Falta de emulação? Donde vem ela? Das platéias? </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Das platéias. Mas é preciso entender: das platéias, porque elas não têm, como disse, uma sedução real e conseqüente. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Já assinalei a ausência de iniciativa e a desordem que esteriliza e mata tanto elemento aproveitável que a arte em caos encerra. A essa falta de um raio condutor se prende ainda a deficiência de poeta dramáticos. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Uma educação viciosa constitui o paladar das platéias. Fizeram ar em face das multidões uma procissão de manjares esquisitos de um sabor estranho, no festim da arte, os naturalizaram sem cuidar dos elementos que fermentavam em torno de nossa sociedade, e que só esperavam uma mão poderosa para tomarem uma forma e uma direção. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">As turbas não são o mármore que cede somente ao trescalar laborioso do escopro, são a argamassa que se amolda à pressão dos dedos. Era fácil dar-lhes uma fisionomia; deram-lha. Os olhos foram rasgados para verem segundo as conveniências singulares de uma autocracia absoluta. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Conseguiram fazê-lo. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:100%;"><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">Habituaram a platéia nos</span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"><i> boulevards</i></span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"> elas esqueceram as distâncias e gravitam em um círculo vicioso. Esqueceram-se de si mesmas; e os czares da arte lisonjeiam-lhes a ilusão com esse manjar exclusivo que deitam à mesa pública. </span></span></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Podiam dar a mão aos talentos que se grupam nos derradeiros degraus a espera de um chamado. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Nada! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">As tentativas nascem pelo esforço sobre-humano de alguma inteligência onipotente, — mas passam depois de assinalar um sacrifício, mais nada! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">E, de feito, não é mau este proceder. É uma mina o estrangeiro, há sempre que tomar à mão; e as inteligências não são máquinas dispostas às vontades e conveniências especulativas. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Daqui o nascimento de uma entidade: o tradutor dramático, espécie de criado de servir que passa, de uma sala a outra, os pratos de uma cozinha estranha. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Ainda mais essa! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Dessa deficiência de poetas dramáticos, que de coisas resultam! que deslocamentos! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Vejamos. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Pelo lado da arte o teatro deixa de ser uma reprodução da vida social na esfera de sua localidade. A crítica resolverá debalde o escalpelo nesse ventre sem entranhas próprias, pode ir procurar o estudo do povo em outra face; no teatro não encontrará o cunho nacional mas uma galeria bastarda, um grupo furta-cor, uma associação de nacionalidades. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A civilização perde assim a unidade. A arte, destinada a caminhar na vanguarda do povo como uma preceptora, — vai copiar as sociedades ultrafronteiras. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Tarefa estéril! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não pára aqui. Consideremos o teatro como um canal de iniciação. O jornal e a tribuna são os outros dois meios de proclamação e educação pública. Quando se procura iniciar uma verdade busca-se um desses respiradouros e lança-se o pomo às multidões ignorantes. No país em que o jornal, a tribuna e o teatro tiverem um desenvolvimento conveniente — as caligens cairão aos olhos das massas; morrerá o privilégio, obra de noite e da sombra; e as castas superiores da sociedade ou rasgarão os seus pergaminhos ou cairão abraçadas com eles, como em sudários. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:100%;"><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">É assim, sempre assim; a palavra escrita na imprensa, a palavra falada na tribuna, ou a palavra dramatizada no teatro, produziu sempre uma transformação. É o grande </span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"><i>fiat</i></span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;"> de todos os tempos. </span></span></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Há porém uma diferença: na imprensa e na tribuna a verdade que se quer proclamar é discutida, analisada, e torcida nos cálculos da lógica; no teatro há um processo mais simples e mais ampliado; a verdade parece nua, sem demonstração, sem análise. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Diante da imprensa e da tribuna as idéias abalroam-se, ferem-se, e lutam para acordar-se; em face do teatro o homem vê, sente, palpa; está diante de uma sociedade viva, que se move, que se levanta, que fala, e de cujo composto se deduz a verdade, que as massas colhem por meio de iniciação. De um lado a narração falada ou cifrada, de outro a narração estampada, a sociedade reproduzida no espelho fotográfico de forma dramática. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">É quase capital a diferença. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não só o teatro é um meio de propaganda, como também é o meio mais eficaz, mais firme, mais insinuante. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">É justamente o que não temos. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">As massas que necessitam de verdades, não as encontrarão no teatro destinado à reprodução material e improdutiva de concepções deslocadas da nossa civilização, — e que trazem em si o cunho de sociedades afastadas. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">É uma grande perda; o sangue da civilização, que se inocula também nas veias do povo pelo teatro, não desce a animar o corpo social: ele se levantará dificilmente embora a geração presente enxergue o contrário com seus olhos de esperança. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Insisto pois na asserção: o teatro não existe entre nós: as exceções são esforços isolados que não atuam, como disse já, sobre a sociedade em geral. Não há um teatro nem poeta dramático... </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Dura verdade, com efeito! Como! pois imitamos as frivolidades estrangeiras, e não aceitamos os seus dogmas de arte? É um problema talvez; as sociedades infantes parecem balbuciar as verdades, que deviam proclamar para o próprio engrandecimento. Nós temos medo da luz, por isso que a empanamos de fumo e vapor. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Sem literatura dramática, e com um tablado, regular aqui, é verdade, mas deslocado e defeituoso ali e além, — não podemos aspirar a um grande passo na civilização. À arte cumpre assinalar como um relevo na história as aspirações éticas do povo — e aperfeiçoá-las e conduzi-las, para um resultado de grandioso futuro. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">O que e necessário para esse fim? </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 1.28cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Iniciativa e mais iniciativa. </span></span></span> </p> <p align="CENTER" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;"><b>III O CONSERVATÓRIO DRAMÁTICO </b></span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">A literatura dramática tem, como todo o povo constituído, um corpo policial, que lhe serve de censura e pena: é o conservatório. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Dois são, ou devem ser, os fins desta instituição: o moral e o intelectual. Preenche o primeiro na correção das feições menos decentes das concepções dramáticas; atinge ao segundo analisando e decidindo sobre o mérito literário — dessas mesmas concepções. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Com estes alvos um conservatório dramático é mais que útil, é necessário. A crítica oficial, tribunal sem apelação, garantido pelo governo, sustentado pela opinião pública, é a mais fecunda das críticas, quando pautada pela razão, e despida das estratégias surdas. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Todas as tentativas, pois, todas as idéias para nulificar uma instituição como esta, é nulificar o teatro, e tirar-lhe a feição civilizadora que por ventura lhe assiste. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Corresponderá à definição que aqui damos desse tribunal de censura, a instituição que temos aí chamada — Conservatório Dramático? Se não corresponde, onde está a causa desse divórcio entre a idéia e o corpo? </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Dando à primeira pergunta uma negativa, vejamos onde existe essa causa. É evidente que na base, na constituição interna, na lei de organização. As atribuições do Conservatório limitam-se a apontar os pontos descarnados do corpo que a decência manda cobrir: nunca as ofensas feitas às leis do país, e à religião... do Estado; mais nada. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Assim procede o primeiro fim a que se propõe uma corporação dessa ordem; mas </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">o segundo? nem uma concessão, nem um direito. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Organizado desta maneira era inútil reunir os homens da literatura nesse tribunal; um grupo de vestais bastava. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não sei que razão se pode alegar em defesa da organização atual do nosso Conservatório, não sei. Viciado na primitiva, não tem ainda hoje uma fórmula e um fim mais razoável com as aspirações do teatro e com o senso comum. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Preenchendo o primeiro dos dois alvos a que deve atender, o Conservatório, em vez de se constituir um corpo deliberativo, torna-se uma simples máquina, instrumento comum, não sem ação, que traça os seus juízos sobre as linhas implacáveis de um estatuto que lhe serve de norma. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Julgar de uma composição pelo que toca às ofensas feitas à moral, às leis e à religião, não é discutir-lhe o mérito puramente literário, no pensamento criador, na construção cênica, no desenho dos caracteres, na disposição das figuras, no jogo da língua. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Na segunda hipótese há mister de conhecimentos mais amplos, e conhecimentos tais que possam legitimar uma magistratura intelectual. Na primeira, como disse, basta apenas meia dúzia de vestais e duas ou três daquelas fidalgas devotas do rei de Mafra. Estava preenchido o fim. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Julgar do valor literário de uma composição, é exercer uma função civilizadora, ao mesmo tempo que praticar um direito do espírito; é tomar um caráter menos vassalo, e de mais iniciativa e deliberação. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Contudo por vezes as inteligências do nosso Conservatório como que sacodem esse freio que lhe serve de lei, e entram no exercício desse direito que se lhe nega; não deliberam, é verdade, mas protestam. A estátua lá vai tomar vida nas mãos de Prometeu, mas a inferioridade do mármore fica assinalada com a autópsia do escopro. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Mas ganha a literatura, ganha a arte com essas análises da sombra? Ganha, quando muito, o arquivo. A análise das concepções, o estudo das prosódias, vão morrer, ou pelo menos dormir no pó das estantes. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não é esta a missão de um Conservatório dramático. Antes negar a inteligência que limitá-la ao estudo enfadonho das indecências, e marcar-lhe as inspirações pelos artigos de uma lei viciosa. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">E — note-se bem! — é esta uma questão de grande alcance. Qual é a influência de um Conservatório organizado desta forma? E que respeito pode inspirar assim ao teatro? </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Trocam-se os papéis. A instituição perde o direito de juiz e desce na razão da ascendência do teatro. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Façam ampliar as atribuições desse corpo; procurem dar-lhe outro caráter mais sério, outros direitos mais iniciadores; façam dessa sacristia de igreja um Tribunal de censura. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Completem, porém, toda essa mudança de forma. Qual é o resultado do anônimo? Se o Conservatório é um júri deliberativo, deve ser inteligente; e por que não há de a inteligência minguar os seus juízos? Em matéria de arte eu não conheço suscetibilidades nem interesses. Emancipem o espírito, hão de respeitar-</span></span></span><span class="Apple-style-span" style=" ;font-family:Verdana, Verdana;font-size:medium;"><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">lhe as decisões</span></span><span style="color:#000000;"><span style="font-size:85%;">.</span></span></span></p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Será fácil uma emancipação do espírito neste caso? — É. Basta que os governos compreendam um dia esta verdade de que o teatro não é uma simples instituição de recreio, mas um corpo de iniciativa nacional e humana. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Ora, os governos que têm descido o olhar e a mão a tanta coisa fútil, não repararam ainda nesta nesga de força social, apeada de sua ação, arredada de seu caminho por caprichos mal-entendidos, que a fortuna colocou por fatalidade à sombra da lei. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Criaram um Conservatório Dramático por instinto de imitação, criaram uma coisa a que tiveram a delicadeza ou mau gosto de chamar teatro normal, e dormiram descansados, como se tivessem levantado uma pirâmide no Egito. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Ora, todos nós sabemos o que é esse Conservatório e este teatro normal; todos nós temos assistido às agonias de um e aos desvarios do outro; todos temos visto como essas duas instituições destinadas caminharem de acordo na rota da arte, divorciaram-se de alvo e de estrada. O Conservatório comprometeu a dignidade do seu papel, ou antes o obrigaram a isso, e o teatro, acordando um dia com instinto de César, tentou conquistar todo o mundo da arte, e entreviu também que lhe cumpria começar a empresa por um tribunal de censura. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Com esta guerra civil no mundo dramático, limitadas as decisões de censura, está claro, e claro a olhos nus que a arte sofria e com ela a massa popular, as platéias. A censura estava obrigada a suicidar-se de um direito e subscrever as frioleiras mais insensatas que o teatro entendesse qualificar de composição dramática. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Este estado de coisas que eu percebo, inteligência mínima como sou, será percebido também pelos governos? Não é fácil de aceitar a hipótese negativa, porquanto evidentemente não os posso considerar abaixo de mim na ótica do espírito. Concordo pois, que os governos não têm sido estranhos nesta anarquia da arte, e então uma negligência assim, depõe muito contra a consciência do poder. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não há fugir daqui. Onde está esse projeto sobre a literatura dramática apresentado há tempos na câmara temporária? Era matéria de contrabando, e as aspirações políticas estavam ocupadas em negócios que visavam outros alvos mais sólidos ou pelo menos mais reais. Esse projeto, dando um caráter mais sério ao teatro, abria as suas portas às inteligências dramáticas por meio de um incentivo honroso. Trazia em si um princípio de vida: lá foi para o barbante do esquecimento! </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">É simples, e não carece de larga observação: os governos em matéria de arte e literatura olham muito de alto; não tomam o trabalho de descer à análise para dar a mão ao que o merece. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Entretanto o que se pede não é uma vigilância exclusiva; ninguém pretende do poder emprego absoluto dos seus sentidos e faculdades. Nesta questão sobretudo é fácil o remédio; basta uma reforma pronta, inteiriça, radical, e o Conservatório Dramático entrará na esfera dos deveres e direitos que fazem completar o pensamento de sua criação. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Com o direito de reprovar e proibir por incapacidade intelectual, com a viseira levantada ao espírito da abolição do anônimo, o Conservatório, como disse acima, deixa de ser uma sacristia de igreja para ser um tribunal de censura. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">E sabem o que seria então esse tribunal? uma muralha de inteligência às irrupções intempestivas que o capricho quisesse fazer no mundo da arte, às bacanais indecentes e parvas que ofendessem a dignidade do tablado, porque infelizmente é fato líquido, há lá também uma dignidade. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">O Conservatório seria isso e estaria nas linhas do seu dever e de seu direito. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Mas no meio destes reparos, resta ainda um fato importante — a literatura dramática. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Com uma reforma no Conservatório, parece-me claro que ganhava também a arte escrita. Não temos (ninguém será tão ingênuo que confesse esse absurdo) não temos literatura dramática, na extensão da frase; algumas estrelas não fazem uma constelação: são lembranças deixadas no tablado por distração, palavras soltas, aromas queimados, despidos de todo o caráter sacerdotal. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não podia o Conservatório tomar um encargo no sentido de fazer desenvolver o elemento dramático na literatura? As vantagens são evidentes — além de emancipar o teatro, não expunha as platéias aos barbarismos das traduções de fancaria que compõem uma larga parte dos nossos repertórios. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Mas, entendam bem! inculco esse encargo ao Conservatório, mas a um Conservatório que eu imagino, que além de possuir os direitos conferidos por uma reforma, deve possuir esses direitos de capacidade conferidos pela inteligência e pelos conhecimentos. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Não é ofender com isto as inteligências legítimas do atual Conservatório. Eu não nego o sol; o que nego, ou pelo menos o que condeno em consciência são as sombras que não dão luz e que mareiam a luz. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0.43cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Um Conservatório ilustrado em absoluto é uma garantia para o teatro, para a platéia e para a literatura. </span></span></span> </p> <p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;">Para fazê-lo assim basta que o poder faça descer essa reforma tão desejada.</span></span></span></p><p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;"><br /></span></span></span></p><p align="JUSTIFY" style="margin-bottom: 0cm; line-height: 0.43cm"><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;"><span class="Apple-style-span" style=" line-height: normal; font-family:Georgia, serif;font-size:16px;"></span></span></span></span></p><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="font-size:85%;"><p align="RIGHT" style="margin-bottom: 0.32cm; line-height: 0.32cm; "><span style="color:#000000;"><span style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="color:#000000;"><span>Textos-Fonte:<br /></span></span><span style="color:#000000;"><span><i>Obra Completa </i></span></span><span style="color:#000000;"><span>de Machado de Assis,<br />Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol. II, 1994.<br /></span></span></span></span><br /><span class="Apple-style-span" style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="color:#000000;"><span><i>Crítica Teatral</i></span></span><span style="color:#000000;"><span>, Machado de Assis. Rio de Janeiro: Edições W.M. Jackson, 1938.</span></span></span></p><p align="RIGHT" style="margin-bottom: 0.32cm; line-height: 0.32cm; "><span class="Apple-style-span" style="font-family:Verdana, Verdana;"><span style="color:#000000;"><span><span class="Apple-style-span" style="line-height: normal; "><span>Publicado originalmente em </span><span><i>O Espelho,</i></span><span>I, 25 de set.; II, 02 de out.; 25 de dez. de 1859;<br /><span class="Apple-style-span"><span><i>A Marmota</i></span><span>, Rio de Janeiro, 16 de março de 1860.</span></span></span></span></span></span></span></p><p></p></span></span></span><p></p>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-44228199956658631222010-02-21T15:26:00.000-03:002013-07-18T02:08:31.842-03:00Palestra do Pe. Paulo RicardoNão deixe de ouvir a palestra do pe. Paulo Ricardo <a href="http://www.padrepauloricardo.org/site/?p=397">A Igreja e o Mundo Atual</a>. Lúcido e corajoso, pe. Paulo é um autêntico representante do magistério da Igreja Católica. É preciso garimpar muito nas paróquias brasileiras para encontrar sacerdotes dessa cepa.Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-81624172028847986212009-07-29T02:24:00.002-03:002009-07-29T02:27:58.718-03:00Os que não são consultados - Gustavo Corção<p align="center" style="text-align: right;"><span class="Apple-style-span" style=" font-weight: bold; font-family:Garamond;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: medium;">A Álvaro Tavares</span></span></p> <p align="center" style="text-align:center"><b> <o:p></o:p></b></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Dias há em que a gente fica triste com o ofício que tem. Imagino como não deve ser enervante para as cozinheiras, nesses dias, a atmosfera das frituras e a companhia das caçarolas; como não deve ser monótono para o ferreiro o gemido das bigornas; como não deve ser triste, muito triste, o vai-e-vem da agulha na mão picada da velha costureira. Cada ofício é uma prisão: as coisas ficam sendo o que são pelo bagaço. E o cárcere do ofício é duro, asfixiante, enervante...</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Ora, a minha profissão – assim me parece nesses dias – é ainda mais triste do que as outras. A cozinheira vê seus pratos feitos, substancialmente constituídos; e vê a alegria da casa alimentar-se de seu feijão. O ferreiro vê o ferro curvar-se, conformar-se e obedecer. E a costureira vê a perseverante agulha conquistar o pano de ponto em ponto, obrigando-o a seguir os contornos de um corpo e os movimentos de uma alma. Nesses ofícios tudo é concreto, tudo é palpável.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Considerem agora o meu. Que fabrico eu? Palavras. Escritas ou faladas, da manhã à noite, no papel, na sala de aula, ou diante de um microfone que esconde não sei quantos ouvintes – talvez nenhum – eu cozinho palavras, eu forjo palavras, eu costuro palavras. "Words, words, words..." Meu ofício é um ronronar que já dura trinta anos. Triste ofício. E não sou eu que só dele descreio. Tu também, amigo leitor, tu também não crês no meu ofício. Gostas de ler. Aprovas-me quando logro alinhavar com alguma felicidade os meus adjetivos ou quando prego com boa linha as minhas conjunções. Mas confessa: na verdade, não acreditas muito no valor dessa procissão de sinais escritos, e muito menos crês no fugaz valor do som articulado que sai duma velha garganta cansada de ronronar. Palavras hoje, palavras amanhã. Em tempo e contratempo...</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Ora, estando eu num desses dias de preamar da melancolia, um outro oficial do mesmo ofício contou-me uma linda história. Ele pronunciava, diante de seleto auditório (como se costuma dizer), uma conferência sobre casamento, limitação de natalidade e aborto. Acabada a conferência e ouvidas as palmas que, como todos os sons, também se perdem no ar, o nosso conferencista voltou para casa. Ia triste. Revolvia na memória as ressonâncias do que dissera. O seleto auditório estava, evidentemente, de acordo com o que ele dissera. O universo continuava o mesmo depois da conferência; ou se não, se mudara, se o trajeto de algum átomo sofrera algum desvio milimétrico, as vidas, os corações, os seletos corações, ao contrário, seguiriam seus itinerários sem que o sopro das palavras conseguisse desviá-los. O que é uma conferência? Um sopro. Um vento. Falar é modo requintado de abanar... No caderninho de notas do conferencista, estão as outras conferências aprazadas: depois de amanhã, dia 15, dia 24, etc., etc., etc.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Quatro meses mais tarde, estando o nosso orador à porta de uma livraria a ver passar o mundo, é abordado por uma moça risonha com sete meses bem contados de gravidez. E sem mais preâmbulos, apresentou-se:</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> – Naquela conferência eu estava de três meses. E não ia ficar. Tinha resolvido não ficar. Mas o senhor disse aquela frase...</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">A moça despediu-se. Dobrou a esquina. O conferencista viu ainda uma vez o majestoso perfil da gravidez, e quedou-se a pensar. Que frase? Não se lembrava. Lembrou-se de uma página de Edgar Allan Poe, onde o poeta diz que as estrelas do céu nasceram de palavras de amor. A sua frase – que frase? – lá com suas conjunções, advérbios e proposições fizera alguma coisa maior, infinitamente maior do que as estrelas do céu: salvara uma criança. Será menino ou menina?</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p align="center" style="text-align:center"><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">***</span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"><o:p></o:p></span></span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> Ouvi hoje contar o caso de um acrobata americano que teve uma idéia. "Brain wave". Uma idéia nova para seu programa de televisão. É assim: em pé no rebordo do telhado de um arranha-céu ele faz cabriolas, não com seu próprio corpo, mas com o corpo de uma criancinha de meses que ele atira para o ar, apanha, equilibra, muda de mão e passa entre as pernas. Como se vê, o espetáculo deve ter sido excitante e gostoso para as pupilas cansadas de outros espetáculos mais rotineiros.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Essa história lembrou-me outra. Estavam duas ou três senhoras de nossa melhor sociedade, dessas que tomam chá de chapéu, a discutir o caso de um desabusado cirurgião (também da melhor sociedade) que provocara um aborto sem consultar ninguém. Dizia, então, uma das senhoras, a do chapéu de lilazes: "Eu acho que a família deve ser consultada..." A dama de chapéu cor-de-amora foi mais precisa: "Eu acho que compete à mãe, exclusivamente, resolver o caso". E estava a conversa neste ponto quando um amigo meu, tímido e gago, que nunca consegue ser ouvido por ninguém, sugeriu que quem devia ser consultada era a criança. E é a ausência dessa consulta que me horrorizou na história do acrobata. Por muito menos zangou-se um dia Jack London, numa tourada, porque os touros e cavalos não eram ouvidos.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Mas ninguém ouviu a reflexão de meu amigo. Como ninguém ouve a misteriosa linguagem com que os embriões de dois a três meses declaram categoricamente que querem viver. Como também cada dia menos se ouve a linguagem, já menos mistificada, das crianças de dois ou três anos que são energicamente contrárias ao divórcio. O fato é esse: na ginástica, no aborto e no divórcio, há pessoas, personagens, pessoas humanas, vivas, que estão envolvidas e que não são ouvidas.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> "Ora, direis, ouvir crianças... certo perdeste o siso!", dirá algum leitor que ainda se lembre dos esplendores do nosso parnaso. Como é possível ouvir um embrião? Como se pode ponderar o que diz uma criança de dois anos? </span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Digo-te eu, leitor, que foste tu que perdeste o siso. E acrescento: o mundo está como está, e o nosso Brasil chegou onde sabemos que chegou, porque as pessoas (a começar pelas da melhor sociedade) não têm mais ouvidos para ouvir e entender a linguagem dos fetos. Fuzilam-se inocentes, aos milhões, sem remorsos, dada a circunstância supersônica de seus protestos. Vou explicar-te, amigo, mais uma vez, como se pode ouvir o que não fala, e consultar o que não tem a idade da razão. É muito simples: ouvindo e consultando a lei que está gravada na natureza das coisas, a lei que qualquer consciência desobstruída de chás e chapéus pode ouvir e consultar. Uma boa lavadeira, uma honesta cozinheira, sem procurar psicólogos e sociólogos, têm ouvidos para a voz da Inocência perfeita, para a voz que condena o aborto, o divórcio, e outras acrobacias feitas com carne de gente.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p align="center" style="text-align:center"><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">***</span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"><o:p></o:p></span></span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Por falar em aborto, ouvi dizer que na Suíça tornou-se legal. Não sei detalhes. Não sei em que circunstâncias, pelos quatro cantões da Suíça, tornou-se admissível matar a criança que teve a impertinência de brotar num ventre de moça. Imagino que os suíços, que são reconhecidamente um povo ordeiro e asseado, e sobretudo muito deferente com os turistas, tenham descoberto excelentes razões para assassinar pequeninos suíços. Uma das razões que imagino seria a seguinte: mata-se a criança excedente pelo bem da pátria e da família. Um pouco como se queima o café, para valorizá-lo. De uma senhora, que tem um Pontiac verde-claro, já ouvi dizer que se justifica "não guardar" para manter o "padrão de vida". Não se guarda a criança para guardar-se o Pontiac. Outra senhora, um pouco menos desvairada, alega que fuzila a criança não nascida em benefício das outras já nascidas.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Esses argumentos chegaram aos ouvidos de meu amigo Álvaro Tavares que sugere uma emenda para a teoria dessa senhora que mata um filho em benefício dos outros: admitido que se deva matar um para benefício da família e da sociedade, devemos deixar a criança nascer, e, mais tarde, num conselho de família, escolher a criança mais feia, ou mais bronca na tabuada, ou mais birrenta na mesa, e então executá-la para o maior bem da família e da pátria.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Concordo inteiramente com essa emenda apresentada pelo meu amigo Álvaro Tavares. Em nome da psicologia, da sociologia e da eugenia, acho precipitada a pena de morte que recai sobre a "criança desconhecida". O mundo, entre seus momentos de prolongado desvario, já teve a idéia de honrar o soldado desconhecido; mas nos seus piores momentos ainda não teve a idéia de fuzilar um criminoso desconhecido. E muito menos um desconhecido inocente. Aprovo pois a emenda e aqui acrescento o meu pesponto. Em lugar do conselho de família, eu sugiro que consultem um psicotécnico.</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <p><span style="font-family:";"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">Voltando aos suíços, confesso que não me espantei demais com a notícia. Tenho desconfiança desses países muito ordeiros, muito arrumados. Tenho horror a hotéis. Só me espanto com uma incoerência que vejo nessa lei dos suíços: se a religião daquele pitoresco país é o turismo, se tratam tão bem os que chegam das Américas, porque diacho maltratam assim o pequenino turista que ingressa num dos quatro cantões pela mais antiga das portas?</span></span><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;"> </span></p> <b><span style="font-family:"Garamond","serif";mso-fareast-font-family: "Times New Roman";mso-bidi-Times New Roman"; mso-ansi-language:PT-BR;mso-fareast-language:PT-BR;mso-bidi-language:AR-SAfont-family:";color:black;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">(</span></span><span style="font-family:"Times New Roman","serif"; mso-fareast-Times New Roman";mso-ansi-language:PT-BR; mso-fareast-language:PT-BR;mso-bidi-language:AR-SAfont-family:";color:black;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">N</span></span><span style="font-family:"Garamond","serif";mso-fareast-font-family: "Times New Roman";mso-bidi-Times New Roman"; mso-ansi-language:PT-BR;mso-fareast-language:PT-BR;mso-bidi-language:AR-SAfont-family:";color:black;"><span class="Apple-style-span" style="font-size:medium;">ovembro, 1953)</span></span></b>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-12279271845940067632009-07-03T23:10:00.003-03:002009-07-03T23:15:21.389-03:00Ítalo Calvino - Por que ler os clássicos?<span class="verdtex14">Comecemos com algumas propostas de definição. </span><p><span class="verdtex14"><em>1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo...".</em> </span></p><p> </p><p><span class="verdtex14">Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram "grandes leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com o mundo e com os clássicos como parte do mundo vale exatamente enquanto primeiro encontro. </span></p><p><span class="verdtex14">O prefixo reiterativo antes do verbo <em>ler</em> pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para tranqüilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu. </span></p><p><span class="verdtex14">Quem leu tudo de Heródoto e de Tucídides levante a mão. E de Saint-Simon? E do cardeal de Retz? E também os grandes ciclos romanescos do Oitocentos são mais citados do que lidos. Na França, se começa a ler Balzac na escola, e pelo número de edições em circulação, se diria que continuam a lê-lo mesmo depois. Mas na Itália, se fosse feita uma pesquisa, temo que Balzac apareceria nos últimos lugares. Os apaixonados por Dickens na Itália constituem uma restrita elite de pessoas que, quando se encontram, logo começam a falar de episódios e personagens como se fossem de amigos comuns. Faz alguns anos, Michel Butor, lecionando nos Estados Unidos, cansado de ouvir perguntas sobre Emile Zola, que jamais lera, decidiu ler todo o ciclo dos Rougon-Macquart. Descobriu que era totalmente diverso do que pensava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogônica, que descreveu num belíssimo ensaio. </span></p><p><span class="verdtex14">Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma leitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais. Podemos tentar então esta outra fórmula de definição: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>2. Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.</em><br /> </span></p><p><span class="verdtex14">De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude. Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente. A definição que dela podemos dar então será: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>3. Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo. </span></p><p><span class="verdtex14">Portanto, usar o verbo <em>ler</em> ou o verbo <em>reler</em> não tem muita importância. De fato, poderíamos dizer: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>4. Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira. </em></span></p><p><span class="verdtex14"><em>5. Toda primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">A definição 4 pode ser considerada corolário desta: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>6. Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. </em> </span></p><p><span class="verdtex14">Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa, como: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>7. Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Isso vale tanto para os clássicos antigos quanto para os modernos. Se leio a <em>Odisséia</em>, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações. Lendo Kafka, não posso deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo <em>kafkiano</em>, que costumamos ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio <em>Pais e filhos</em> de Turgueniev ou <em>Os posssuídos</em> de Dostoievski não posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se até nossos dias. </span></p><p><span class="verdtex14">A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos. Por isso, nunca será demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível bibliografia crítica, comentários, interpretações. A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário. Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendam saber mais do que ele. Podemos concluir que: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>8. Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de uma origem, de uma relação, de uma pertinência. De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo: <em></em></span></p><p><span class="verdtex14"><em>9. Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Naturalmente isso ocorre quando um clássico "funciona" como tal, isto é, estabelece uma relação pessoal com quem o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: os clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por amor. Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola. </span></p><p><span class="verdtex14">É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o "seu" livro. Conheço um excelente historiador da arte, homem de inúmeras leituras e que, dentre todos os livros, concentrou sua preferência mais profunda no <em>Documentos de Pickwick</em> e a propósito de tudo cita passagens provocantes do livro de Dickens e associa cada fato da vida com episódios pickwickianos. Pouco a pouco ele próprio, o universo, a verdadeira filosofia tomaram a forma do <em>Documento de Pickwick</em> numa identificação absoluta. Por esta via, chegamos a uma idéia de clássico muito elevada e exigente: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>10. Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Com esta definição nos aproximamos da idéia de livro total, como sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa e faz me agrada, mas tudo me inspira um irresistível desejo de contradizê-lo, de criticá-lo, de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo não posso deixar de incluí-lo entre os meus autores. Direi portanto: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>11. O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem fazer distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de todas essas acepções do termo, consulte-se o exaustivo verbete "Clássico" de Franco Fortini na Enciclopédia Einaudi, vol. III). Aquilo que distingue o clássico no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale tanto para uma obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar próprio numa continuidade cultural. Poderíamos dizer: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>12. Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar a leitura dos clássicos com todas as outras leituras que não sejam clássicas. Problema que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?". </span></p><p><span class="verdtex14">É claro que se pode formular a hipótese de uma pessoa feliz que dedique o "tempo-leitura" de seus dias exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano, Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe, o <em>Discours de la méthode, Wilhelm Meister</em>, Coleridge, Ruskin, Proust e Valéry, com algumas divagações para Murasaki ou para as sagas islandesas. Tudo isso sem ter de fazer resenhas do último livro lançado nem publicações para o concurso de cátedra e nem trabalhos editoriais sob contrato com prazos impossíveis. Essa pessoa bem-aventurada, para manter sua dieta sem nenhuma contaminação, deveria abster-se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca pelo último romance nem pela última pesquisa sociológica. Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos, caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal. Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o fruto de um nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante. </span></p><p><span class="verdtex14">Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trânsito e das mudanças do tempo, enquanto acompanhamos o discurso dos clássicos, que soa claro e articulado no interior da casa. Mas já é suficiente que a maioria perceba a presença dos clássicos como um reboar distante, fora do espaço invadido pelas atualidades como pela televisão a todo volume. Acrescentemos então: </span></p><p><span class="verdtex14"><em>13. É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo. </em></span></p><p><span class="verdtex14"><em>14. É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.</em> </span></p><p><span class="verdtex14">Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do <em>otium</em> humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que jamais saberia redigir um catálogo do classicismo que nos interessa. </span></p><p><span class="verdtex14">Eram as condições que se realizavam plenamente para Leopardi, dada a sua vida no solar paterno, o culto da antiguidade grega e latina e a formidável biblioteca doada pelo pai Monaldo, incluindo a literatura italiana completa, mais a francesa, com exclusão dos romances e em geral das novidades editoriais, relegadas no máximo a um papel secundário, para conforto da irmã ("o teu Stendhal", escrevia a Paolina). Mesmo suas enormes curiosidades científicas e históricas, Giacomo as satisfazia com textos que não eram nunca demasiado up-to-date: os costumes dos pássaros de Buffon, as múmias de Federico Ruysch em Fontenelle, a viagem de Colombo em Robertson. </span></p><p><span class="verdtex14">Hoje, uma educação clássica como a do jovem Leopardi é impensável, e sobretudo a biblioteca do conde Monaldo explodiu. Os velhos títulos foram dizimados, mas os novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. Só nos resta inventar para cada um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar. Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais. </span></p><p><span class="verdtex14">Verifico que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei. Efeito da explosão da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo, deixando bem claro que os clássicos servem para entender quem somos e aonde chegamos e por isso os italianos são indispensáveis justamente para serem confrontados com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis exatamente para serem confrontados com os italianos. </span></p><p><span class="verdtex14">Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos. </span></p><p><span class="verdtex14">E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer' ". </span></p><p> </p><p><span class="verdtex14">1981 </span></p><p><span class="verdtex14"><br /><i>In</i> "Por que ler os clássicos", trad. Nilson Moulin, Companhia das Letras, São Paulo, 1993, pág. 9-16.</span></p>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-26699235026871119272009-06-28T03:21:00.001-03:002009-06-28T03:23:54.361-03:00Gianna Jessen - Sobrevivente de um aborto<object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/rztaZbzPOro&hl=pt-br&fs=1&"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/rztaZbzPOro&hl=pt-br&fs=1&" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/NFPxE30nh8A&hl=pt-br&fs=1&"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/NFPxE30nh8A&hl=pt-br&fs=1&" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-84014729702610484132009-06-19T04:00:00.021-03:002009-06-22T13:57:29.893-03:00O Coração HumanoHoje a Igreja comemora o Sagrado Coração de Jesus. Posto em sua homenagem uma tradução do capítulo X do livro <span style="font-style:italic;">Le Bestiaire du Christ: La mystérieuse emblématique de Jésus-Christ</span>, de Louis Charbonneau-Lassay.<br /><br />Dedicarei aqui apenas algumas páginas ao simbolismo crístico do coração humano, esperando, se Deus o permitir, consagrar a este assunto um estudo bem mais amplo.<br />Lancemos primeiro um rápido olhar sobre os cultos do mundo précristão.<br /><br />I. O CORAÇÃO ENTRE OS ANTIGOS<br /><br />De acordo com alguns eruditos o homem teria, desde os tempos neolíticos, representado, com uma intenção simbólica, o órgão íntimo onde se elabora o seu sangue, onde se concentra sua vida: o dólmen de Croisic, por exemplo, conteria uma imagem em relevo do coração, ao mesmo tempo que outros símbolos: a serpente, o polvo <a name="1a"></a>(<a href="#1">1</a>), e talvez o nó iniciático (?).<br /><br />Em todos os povos antigos cujas civilizações nos são conhecidas, entre os da Ásia, da Europa e da África setentrional sobretudo, até a nossa era, o significado relacionado à representação do coração humano refere-se mais à inteligência que ao sentimento, ou, mais exatamente, fazem da imagem do coração bem mais o ideograma da faculdade de conhecer, de raciocinar e de compreender que o amor afetivo e físico <a name="2a"></a>(<a href="#2">2</a>).<br /><br />O egípcio que, em seus hieróglifos, figurou o coração do homem e o coração da Divindade pela imagem de um vaso e pelo fruto abacate, fazendo dele, no homem, a sede da alma; Platão não aceita essa concepção, o que nos valeu esta observação de São Jerônimo: "Os naturalistas perguntam onde reside particularmente a alma; Platão pretende que seja no cérebro, e Jesus Cristo no ensina que é no coração <a name="3a"></a>(<a href="#3">3</a>)."<br /><br />Os sábios do Egito afirmavam que é do coração que vem tudo o que sabe o homem, e tudo o que ele pode fazer, e é dele, diziam eles, que a atividade humana recebe suas inspirações e sua força tanto no domínio do pensamento quanto no das ações corporais; e nossos pais estavam de acordo com eles quando tiraram da palavra latina <span style="font-style:italic;">Cor</span> a palavra <span style="font-style:italic;">coragem</span>, fazendo desta sinônimo de bravura, de intrepidez.<br /><br />É toda a Antiguidade, do Oriente ao Ocidente, que Plínio resume ao escrever: "O coração oferece, em seu interior, o primeiro domicílio à alma e ao sangue em uma cavidade sinuosa... aí reside a inteligência <a name="4a"></a>(<a href="#4">4</a>)."<br /><br />O nosso Vauvenargues nos diz que "os grandes pensamentos vêm do coração <a name="5a"></a>(<a href="#5">5</a>)", e trinta séculos antes dele, o lapicida que gravou a estela funerária do faraó Tutankamon inscreve que esse soberano meditava profundamente a felicidade de seu povo em comunhão com seu próprio coração <a name="6a"></a>(<a href="#6">6</a>).<br /><br />Ah, o Coração humano, como o idealista Egipto amou-o! Leia-se por exemplo a fábula de Bitau que sacrificou-se a si mesmo, mas cujo coração não quer morrer, renasce e transforma-se a cada vez que o atinge um novo golpe mortal, até que por fim Anubis reanima Bitau ao reencontrar seu coração errante e mergulha-lo na água; então Bitau retorna à vida ao receber seu coração.<br /><br />"Os egípcios, diz Plutarco, representam o céu, que sendo eterno não pode envelhecer, por um coração pousado sobre um braseiro cuja flama mantém seu ardor <a name="7a"></a>(<a href="#7">7</a>)."<br /><br />De certa maneira, a teologia egípcia chegou mesmo a compreender a concepção profundamente reconfortante daquilo que a espiritualidade católica chamou mais tarde de "a habitação de Deus em nós". Em uma estela conservada no Museu de Turin, e traduzida por Chabas, Beka felicita-se por ter sido em sua vida "um homem justo, veraz e bom, tendo posto Deus em seu coração <a name="8a"></a>(<a href="#8">8</a>)." Beka diz justamente <span style="font-style:italic;">Deus</span>, o deus Um, em hieróglifos <span style="font-style:italic;">Nuter</span>, e não os deuses, que foram no Egito ancestrais divinizados; Beka compreendia muito bem que não poderia ser condenado, na pesagem das almas, um coração em que residisse a Divindade, e que a carregasse no centro mesmo de sua vida: no mesmo sentimento da posse divina em si, mas aplicando sua voz a outros pensamentos, são Paulo dirá mais tarde: "Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim."<br /><br />A pesagem do coração humano no julgamento das almas após a morte, e enquanto autor responsável dos atos bons ou maus realizados durante a vida terrestre, é exposta nos monumentos egípcios em cenas que fazem pensar naquelas que nos mostram, nas igrejas francesas da Idade Média, o julgamento parciular dos atos de nossas vida, com são Miguel pesando as pequenas almas trêmulas na presença do anjo incumbido de nossa proteção e de Satã, nosso acusador.<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwZ79Ro71K-04wwlAWWdZaJSCna28ybGRKcUVoyZdEIupo06zsyxu55kD6V0m90X-TrlCtI9yLJmCi83fM7P1CX4D2T4cezFxhLcGB9otl__FH636_9x7o7Q80PeJ9NEijgmonFgrOQRI/s1600-h/best01.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 160px; height: 158px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgwZ79Ro71K-04wwlAWWdZaJSCna28ybGRKcUVoyZdEIupo06zsyxu55kD6V0m90X-TrlCtI9yLJmCi83fM7P1CX4D2T4cezFxhLcGB9otl__FH636_9x7o7Q80PeJ9NEijgmonFgrOQRI/s320/best01.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348907797461012722" /></a>Eis, por exemplo, essa cena de julgamento pintada sobre o esquife de uma sacerdotisa de Amon: diante do trono de Osíris, encarregado de julgar os mortos, cercado por seus acessores e junto a Maât, personificação divina da Verdade, ergue-se uma alta balança. Ao lado dela, ou abaixo dela, um monstro híbrido, <span style="font-style:italic;">"O Devorador"</span>, justiceiro da Divindade, está pronto para apossar-se da alma, se a justa pesagem resultar em seu prejuízo.<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfB5jDkbtt3Qgb3tTfE0Jofu8rAVUVGa7gUBwv3TiXKht4Eunw6iU60Iw6kg3AdQpEj07ZusUW5paLeUHkEnQTPVgjEq2B4bpmH8tX12y4w_dCcf-QRIHZYiTYrhoYBd3ik_lIj2pERuk/s1600-h/best02.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 189px; height: 257px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfB5jDkbtt3Qgb3tTfE0Jofu8rAVUVGa7gUBwv3TiXKht4Eunw6iU60Iw6kg3AdQpEj07ZusUW5paLeUHkEnQTPVgjEq2B4bpmH8tX12y4w_dCcf-QRIHZYiTYrhoYBd3ik_lIj2pERuk/s320/best02.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348912769656309378" /></a>Em um dos pratos repousa, sozinho, o coração do defunto sob a aparência do vaso hieróglifo no qual estão as obras más da vida que vai ser julgada (Fig. I e II). Então Maât-Verdade aproxima-se; retira de seu penteado a branca pluma de avestruz que a caracteriza, e coloca-a no prato vazio; às vezes é ela mesma que senta-se no prato, mas como sua substância é espiritual, somente a pluma imaculada exerce o seu peso levíssimo e o equilíbrio perfeito deve então estabelecer-se entre o vaso-coração e a pluma (Fig. III); se isto não acontece, é o monstro justiceiro que triunfa, e a alma, vítima dos maus atos do coração, não será recebida no reino das felizes transformações.<br /><br />"Os egípcios, diz A. Godard, colocavam no seio de suas casas uma cruz cravada em um coração <a name="9a"></a>(<a href="#9">9</a>)." E, de acordo com G. Ferrero<a name="10a"></a>(<a href="#10">10</a>), Wilkinson observou o desenho de uma casa egípcia em cuja fachada figurava um coração com uma cruz em cima "muito semelhante aos que se vê em certos quadros católicos<a name="11a"></a>(<a href="#11">11</a>)". Le Cour publicou um amuleto egípcio que apresenta o mesmo assunto.<br /><br /><br />II. A IDÉIA DO CORAÇÃO DE DEUS ENTRE OS ANTIGOS EGÍPCIOS<br /><br />Partindo das concepções que acabamos de examinar, e muito naturalmente, o pensamento piedoso dos antigos egípcios fez também do coração de Deus Um a sede e a fonte das perfeições divinas. Vemos, em consequência, velhos textos evocarem expressamente o Coração divino; Ramsés II, tendo sido mal assistido por seus oficiais em um combate, repreende-os e termina dizendo-lhes: "Não os tenho mais em meu coração"; depois, voltando-se para seu pai do céu, o deus Amon, ousa falar-lhe assim: "O que é que tu fazes, meu pai Amon? É digno de um pai não velar sobre o seu filho?... e quem são esses asiáticos para o teu coração<a name="12a"></a>(<a href="#12">12</a>)?"<br /><br />Em um dos hinos em honra a Aton, imagem da Divindade sob o emblama do disco solar, composto pelo Faraó Anemofis IV e por Nefer-Neferiu-Aton, sua graciosa esposa, lemos, no corpo de um longo texto: "...tu criaste a terra em teu Coração, quando estavas totalmente só... tu fizeste as estações para fazer nascer e crescer tudo aquilo que criaste... tu fizeste o céu distante para te elevares sobre ele e tu vês de lá tudo aquilo que criaste, tu somente. Tu apareces sob a forma de Aton vivo; tu te elevas brilhando, tu te afastas e retornas; tu estás em meu coração...<a name="13a"></a>(<a href="#13">13</a>)"<br /><br />Uma mesma concepção é exposta na inscrição funerária de um sacerdote de Mênfis cujo texto com seu sentido foram fixados por Maspéro, Breasted e Erman; dele se deduz que os teólogos de escola de Mênfis distinguiam na obra do Autor de todas as coisas o papel do pensamento criador, que eles denominavam <span style="font-style:italic;">a parte do Coração</span>, e o do instrumento da criação, que eles chamavam <span style="font-style:italic;">a parte da Língua</span>, o <span style="font-style:italic;">Verbo</span>ç também Alexandre Moret chegou, reproduzindo uma expressão egípcia, a intitular um de seus mais belos capítulos <span style="font-style:italic;">"Do Mistério do Verbo Criador</span><a name="14a"></a>(<a href="#14">14</a>)".<br /><br />Outra escola teológica, que conhecemos através de monumentos do tempo de Ramessides (XIXª dinastia, em torno de 1.200 a.C.) expõe-nos uma teoria segundo a qual Deus, o Deus Um, cuja Natureza nos é apresentada como sendo formada de três entidades distintas que formam uma verdadeira trindade-unidade: <span style="font-style:italic;">Ftah, Horus e Thot</span>. Ftah é a Pessoa suprema, a Inteligência perfeita; Horus, segundo a crença já então bem antiga, é o Coração compreensivo e afetivo da divindade, é o espírito que anima toda vida; Thot é o Verbo, instrumento de realização das obras divinas.<br /><br />Ftah é designado como o Ser supremo, pois toda a tríade de alguma maneira procede dele. Ele é, de acordo com o documento citado acima, "aquele que torna-se <span style="font-style:italic;">Coração</span>, aquele que torna-se <span style="font-style:italic;">Língua</span>".<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ9inF6lYdWn2ZYotMKqgfd-3NvbYWVQsvnTbjjyNcLrSVwpVqKjQRMulLd0hC60sH2WGjts95FLBWrzIfXAMyNjqHnYG5NHAcx1yDzz2JitKb71ne6ZKHjFe8FEEQtJe3H-91leLyTV8/s1600-h/best03.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 223px; height: 275px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ9inF6lYdWn2ZYotMKqgfd-3NvbYWVQsvnTbjjyNcLrSVwpVqKjQRMulLd0hC60sH2WGjts95FLBWrzIfXAMyNjqHnYG5NHAcx1yDzz2JitKb71ne6ZKHjFe8FEEQtJe3H-91leLyTV8/s320/best03.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348928298640906738" /></a>Horus, o Coração divino, foi representado nas artes sagradas pela figura do falcão. Desde os tempos da IVª dinastia, em torno de 2.840 a 2.680 a.C., ele aparece simbolizado assim; sobre a bela estátua de Quéfrem, que está no museu do Cairo, por exemplo, o Pássaro sagrado apoia seu coração, todo seu corpo, contra a nuca do faraó que ele protege, que inspira, e envolve sua cabeça com as asas abertas (Fig. IV). Há mesmo nessa atitude singular do falcão deus muito mais do que o signo de uma simples assistência dada ao faraó, de quem ele cobre e aquece o cerebelo no ponto, sensível por excelência, que a neurologia denomina "Ponte de Varólio", e que lhe põe em contato quase imediato com esse feixe de nervos cervicais que alguns anatomistas denominam "Árvore da Vida": não poderíamos dizer que, por esse cálido abraço o Pássaro-divino, emblema do Coração da divindade, fecunda, de alguma forma, o espírito de Quéfrem em seu cérebro, nessa hospedaria em que se detêm, diziam os sábios desse tempo, os pensamentos concebidos e nascidos no coração antes de serem exteriorizados pelo movimento da língua e pela abertura dos lábios?<br /><br /><br />III. O CORAÇÃO HUMANO, IMAGEM EMBLEMÁTICA DO CORAÇÃO DE JESUS CRISTO<br /><br />Nas artes da cristandade perseguida e sob os primeiros imperadores constantinianos, a imagem do coração aparece frequentemente sem que se possa decidir razoavelmente a ver nela um motivo puramente ornamental, nem a assimilá-la sempre a essas folhagens cordiformes de convólvulos empregadas na epigrafia romana. O sábio explorador da antiga Cartago, R. P. Louis Delattre publicou numerosas imagens de corações em relevo em pratos ou lâmpadas dos séculos III ao VI, que são fabricações cristãs: esses corações são ornamentados ora com a cruz ora com as iniciais do Cristo, I sobre X (Iesus Xhristos), ou X sobre P (XRistos). Das duas uma: ou eles exprimem a habitação do Cristo no coração do cristão, ou eles são o emblema do próprio coração de Jesus Cristo, com reservas; de resto, o padre Delattre aceitava esta última interpretação, à qual a adesão mais recente do mestre Dom H. Leclercq dá um valor de quase certeza, sobretudo no que concerne à presença do coração marcado com uma cruz no centro de certas lâmpadas cartaginenses<a name="15a"></a>(<a href="#15">15</a>).<br /><br />Por longos séculos, em Roma e no resto da cristandade, o culto do Coração de Jesus Cristo confunde-se com o da chaga feita em seu lado, no Calvário, pela lança do soldado romano que o traspassou.<br /><br />Se não conhecemos, antes do final do séc. XIII, outras imagens simbólicas do coração humano que possam ser vistas como representando o do Salvador, ao menos os escritores desse tempo falam com frequência do Coração de Jesus Cristo como o lugar do seu amor pelos homens, e como a fonte do sangue que ele derramou para o resgate e a salvação do mundo. Por exemplo são Bernardo, no séc. XI<a name="16a"></a>(<a href="#16">16</a>), Guillaume de Saint-Thierry, por volta de 1.150<a name="17a"></a>(<a href="#17">17</a>); no mesmo período o autor da <span style="font-style:italic;">Vida Mística</span><a name="18a"></a>(<a href="#18">18</a>) e Guerric d'Igny e outros. A partir do séc. XIII, ou do início do séc. XIV, ele encontra-se gravado sob o nome mesmo do Cristo, XPS, em um molde para hóstias que está no muse de Vich na Espanha<a name="19a"></a>(<a href="#19">19</a>); em 1.308-1.309 um dos chefes da Ordem do Templo que foram encarcerados na torre de Chinon desenha-o com a faca na parede de sua prisão<a name="20a"></a>(<a href="#20">20</a>); e o vemos junto com a cruz, com raios que saem do ponto onde ela o penetra, no pequeno selo de Estème Couret, da mesma época, encontrado em Poitoy pelo conde R. de Rochebrune<a name="21a"></a>(<a href="#21">21</a>) (Fig. V). <a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcpZvaT8ocggEUigAO-lsAEm0_ZpVTCalCKgaRIdKdx2mpUpf98MLhWIO8D144uNTwmW8I6_vPq7WTi8kuG0aUT9NcsuDoejRE4Bf1zsL_vylX4JrbFCRYDnBTRtIhTGljLPih46yY5gU/s1600-h/best04.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 103px; height: 132px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcpZvaT8ocggEUigAO-lsAEm0_ZpVTCalCKgaRIdKdx2mpUpf98MLhWIO8D144uNTwmW8I6_vPq7WTi8kuG0aUT9NcsuDoejRE4Bf1zsL_vylX4JrbFCRYDnBTRtIhTGljLPih46yY5gU/s320/best04.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348961081412381106" /></a>Às vezes ele acompanha a evocação de outros membros feridos pela crucifixão, ou então é ele mesmo ferido pelos cravos trágicos (Fig. VI e VIII)<a name="22a"></a>(<a href="#22">22</a>); <a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXM3RcUjdxk4MlJP7eGhUm0LySTa4t-4VTx4BvwEkE4ggqfZWDHEZkdxOS_6UWzZKictvvhdrsdgNpcHVFLKc4og89VcsW7ROxjqGNve7UInnWsUCCuKhq2A2sqgKEg4bRiRGQ-tsO2fs/s1600-h/best05.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 158px; height: 192px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXM3RcUjdxk4MlJP7eGhUm0LySTa4t-4VTx4BvwEkE4ggqfZWDHEZkdxOS_6UWzZKictvvhdrsdgNpcHVFLKc4og89VcsW7ROxjqGNve7UInnWsUCCuKhq2A2sqgKEg4bRiRGQ-tsO2fs/s320/best05.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348961528750484594" /></a>também, no final do séc. XV, e com um exagero de estranho simbolismo, esse Coração de Cristo tem braços e pernas diretamente ligados a ele; assim o ex-voto esculpido ao pé das estátuas do Cristo sentado, esperando a morte, em Saint-Nizier de Troyes, em Venisy (Aisne) e pintado na capela do <span style="font-style:italic;">Corpus Christi Collège</span> de Oxford<a name="23a"></a>(<a href="#23">23</a>) (Fig. VII).<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM0ObxunLHOFMZ5rUFC7K_1NogR60OZDldCLzTr1otWqExw4njpkcc7dBCVjhEYVE9UpQNCmS6GeP-UIe0j_9QDHRGHitbhmHcixm15DLikqS9u5xNB8xAmjMchpkvOpaF3fFnMlUT35I/s1600-h/best06.jpg"><img style="float:left; margin:0 10px 10px 0;cursor:pointer; cursor:hand;width: 222px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjM0ObxunLHOFMZ5rUFC7K_1NogR60OZDldCLzTr1otWqExw4njpkcc7dBCVjhEYVE9UpQNCmS6GeP-UIe0j_9QDHRGHitbhmHcixm15DLikqS9u5xNB8xAmjMchpkvOpaF3fFnMlUT35I/s320/best06.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348961764596396626" /></a><br /><br />Nunca, antes do séc. XIX, o Coração do Salvador foi representado com tanta frequência quanto no período que começa na segunda parte do séc. XV e termina na metade do séc. XVI.<br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDfXGz0SbfHWVC9zkpfI2Kge_c6uvnrdUHjV85aG4oA7t-A-i2RWSIEaq3af1UXpACOW1I9S5j6GxYH5cYpU4rBMK43SaUWxePv6aUVIcVclH_bJ2wLzPnIuKFUw-G2tT83D9B_vMFN8w/s1600-h/best07.jpg"><img style="float:right; margin:0 0 10px 10px;cursor:pointer; cursor:hand;width: 230px; height: 320px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgDfXGz0SbfHWVC9zkpfI2Kge_c6uvnrdUHjV85aG4oA7t-A-i2RWSIEaq3af1UXpACOW1I9S5j6GxYH5cYpU4rBMK43SaUWxePv6aUVIcVclH_bJ2wLzPnIuKFUw-G2tT83D9B_vMFN8w/s320/best07.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348961987501135698" /></a><br />Deixemos bem claro que essa figura do Coração de carne de Jesus Cristo é, no culto católico, o emblema de seu amor pelos homens. Ele é, disse Leão XIII, "o símbolo e a imagem da caridade infinita de Jesus Cristo<a name="24a"></a>(<a href="#24">24</a>)".<br /><br />Este sentido fica ainda mais claro quando ele aparece envolto em chamas: ele é então segundo a linguagem litúrgica "fornalha ardente de caridade", <span style="font-style:italic;">Cor Jesu, fornax ardens caritatis</span><a name="25a"></a>(<a href="#25">25</a>).<br /><br />Acrescentemos que o Coração ferido não muda de significado quando é representado em relação aos instrumentos da Paixão, ou então junto às chagas dos pés e das mãos, pois o suplício redentor foi, por excelência, um ato supremo de amor. Este foi certamente o pensamento de nossos pais: o Coração de Cristo é a verdadeira fonte do sangue que ele elabora, derrama sobre o mundo em resgate de amor pelas aberturas das chagas que fizeram no crucificado os chicotes e os espinhos, os cravos e a lança (Fig. VIII e IX).<br /><br />Excepcionalmente, na antiga arte religiosa, o Coração de Jesus Cristo aparece em condições que exprimem uma profundidade, uma envergadura de pensamento magníficas: é assim que em um mármore do final do séc. XV proveniente da antiga Cartuxa de Saint-Denis d'Orques (Sarthe) (Fig. X) o Coração ferido de Jesus Cristo triunfa no meio de uma glória de chamas e de raios; ele forma, ao mesmo tempo, o centro de dois círculos, o primeiro contém a cruz e os signos astronômicos dos sete planetas, emblema dos espaços infinitos do firmamento, que correspondem aos sete céus dos místicos orientais<a name="26a"></a>(<a href="#26">26</a>); o segundo círculo contém os doze signos do zodíaco que presidem a sucessão das estações e dos anos, símbolo da infinita duração dos tempos passados e dos tempos futuros<a name="27a"></a>(<a href="#27">27</a>). Eis então o coração glorificado de Jesus Cristo colocado no lugar que ocupava a Terra no sistema geocêntrico de Ptolomeu que vigorava na época em que foi esculpido o mármore de Saint-Denis d'Orques<a name="28a"></a>(<a href="#28">28</a>), o Coração de Cristo colocado, também, como centro da infinitude do tempo e da infinitude do espaço, portanto como centro mesmo do Universo inteiro que ele inunda com a irradiação de seu amor e de sua glória. Pode-se imaginar uma apoteose mais magnífica e maior do que essa?...<br /><br />Não é extraordinariamente surpreendente que um religioso desse tempo tenha podido conceber uma tal glorificação para quem conhece a doutrina cartusiana da época em relação ao culto do Coração de Jesus, tal como a fixaram as obras dos monges Ludolphe de Saxe, Dominique de Trèves e Denys le Chartreux, o "Doutor extático".<br /><br />Quando surgem chamas do coração humano, nem sempre ele representa o Coração de Jesus Cristo, pois, abrasado pelo fogo do amor, ele pode ser apenas um coração absolutamente profano; mas, quando ele é o centro de uma irradiação de raios luminosos e gloriosos, podemos sempre, a menos que haja um texto afirmando o contrário, vê-lo como um símbolo do Coração do Redentor apresentando-se em sua glória, iluminando tudo com seu esplendor. É então que os místicos aclamam-no com as palavras de Davi: <span style="font-style:italic;">In lumine tuo videbimus lumen</span>, "Em tua luz veremos a Luz<a name="29a"></a>(<a href="#29">29</a>)".<br /><br /><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyf162WkVttNZHvAj_krvJlr5-aRUo_fPnwz_W1A4K8Gv_gKs5Eixcy5VmTg3EHgFLbJiCuoo07JChLBSkGGgoIJxtStP0ldu_opWUvuET9QFcpXC0FfvrgSowfhY9KSlWcqtZ1_YZsz8/s1600-h/best09.jpg"><img style="display:block; margin:0px auto 10px; text-align:center;cursor:pointer; cursor:hand;width: 320px; height: 309px;" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiyf162WkVttNZHvAj_krvJlr5-aRUo_fPnwz_W1A4K8Gv_gKs5Eixcy5VmTg3EHgFLbJiCuoo07JChLBSkGGgoIJxtStP0ldu_opWUvuET9QFcpXC0FfvrgSowfhY9KSlWcqtZ1_YZsz8/s320/best09.jpg" border="0" alt=""id="BLOGGER_PHOTO_ID_5348973396243388818" /></a><br /><br /><br /><br /><a name="1"></a>(1) Cf. P. Le Cour, <font style="font-style: italic;">A la recherche d'un monde perdu</font>, pp. 67 a 77. [<a href="#1a">volta</a>]<br /><br /><a name="2"></a>(2) Cf. Alex Moret, <font style="font-style: italic;">diversas obras</font>, - Ph. Virey, <font style="font-style: italic;">La Religion de l'Ancienne Égypte</font> - R. Guénon, <font style="font-style: italic;">La langage secret de Dante et des Fidèles d'Amour</font>, in <font style="font-style: italic;">Voile d'Isis.</font> Tradução de A. Martin, edição de 1854, p. 57. [<a href="#2a">volta</a>]<br /><br /><a name="3"></a>(3) S. Jerônimo, <font style="font-style: italic;">Explication du cérémonial de l'Ancienne Loi</font>, tradução de A. Martin, edição de 1854, p. 57. [<a href="#3a">volta</a>]<br /><br /><a name="4"></a>(4) Plínio, <font style="font-style: italic;">História Natural</font>, livro XI, 69. [<a href="#4a">volta</a>]<br /><br /><a name="5"></a>(5) Vauvenargues, <font style="font-style: italic;">Les Maximes</font>. [<a href="#5a">volta</a>]<br /><br /><a name="6"></a>(6) Cf. Ph. Virey, <font style="font-style: italic;">La Religion De L'ancienne Egypte</font>, p. 117. [<a href="#6a">volta</a>]<br /><br /><a name="7"></a>(7) Plutarco, <font style="font-style: italic;">Ísis e Osíris</font>, X. [<a href="#7a">volta</a>]<br /><br /><a name="8"></a>(8) <font style="font-style: italic;">Ibid.</font>, p. 63. [<a href="#8a">volta</a>]<br /><br /><a name="9"></a>(9) A. Godard, <font style="font-style: italic;">Le Messianisme</font>, p. 168. [<a href="#9a">volta</a>]<br /><br /><a name="10"></a>(10) G. Ferrero, <font style="font-style: italic;">Les Lois psychologiques du Symbolisme</font>, p. 142. [<a href="#10a">volta</a>]<br /><br /><a name="11"></a>(11) René Guénon, <font style="font-style: italic;">La Terre Sainte et le Coeur du monde</font>, in <span style="font-style:italic;">Regnabit, </span>T. XI, nº 4 e 5 (1926), p. 218. [<a href="#11a">volta</a>]<br /><br /><a name="12"></a>(12) Ph. Virey, <font style="font-style: italic;">op. e loc. cit.</font>. [<a href="#12a">volta</a>]<br /><br /><a name="13"></a>(13) Cf. Alex Moret, <font style="font-style: italic;">Rois et dieux d'Égypte</font>, p. 64. [<a href="#13a">volta</a>]<br /><br /><a name="14"></a>(14) Alex Moret, <font style="font-style: italic;">Mystères Égyptien, II. - Le Mystère du Verbe Créateur,</font>, pp. 103 a 138. [<a href="#14a">volta</a>]<br /><br /><a name="15"></a>(15) Dom Leclerq, <font style="font-style: italic;">Diction. d'arch. chrêt.,</font>, in <span style="font-style:italic;">dict. d'arch. chrêt. </span>Fasc. LXXXIV, col. 1091. [<a href="#15a">volta</a>]<br /><br /><a name="16"></a>(16) São Bernardo, in <font style="font-style: italic;">Cant. - Sermo LXI,</font>, 4. [<a href="#16a">volta</a>]<br /><br /><a name="17"></a>(17) Guillaume de Saint-Thierry, <font style="font-style: italic;">De Contemplando Deo</font>, cap. I, 3 e <span style="font-style:italic;">Meditativae orationes</span>, VI. [<a href="#17a">volta</a>]<br /><br /><a name="18"></a>(18) <span style="font-style:italic;">Vita mystica</span>, tradução de Apol. de Valence, passim. [<a href="#18a">volta</a>]<br /><br /><a name="19"></a>(19) Cf. L. Charbonneau-Lassay, <span style="font-style:italic;">Moule à hosties du XIVe siècle au Musée épiscopal de Vich</span>, in <span style="font-style:italic;">Regnabit</span>. T. III, nº 4, pp. 280-285. [<a href="#19a">volta</a>]<br /><br /><a name="20"></a>(20) <span style="font-style:italic;">Ibid., Le Coeur rayonnant du donjon de Chinon attribué aux Templiers</span>, p. 45. [<a href="#20a">volta</a>]<br /><br /><a name="21"></a>(21) <span style="font-style:italic;">Ibid., Le sceau d'Estème Couret</span>, in <span style="font-style:italic;">Revue du Bas-Poitou,</span> Ann. 1917, Livr. III e <span style="font-style:italic;">Regnabit.</span> T. II, nº 9 (févr. 1922), pp. 264-268. [<a href="#21a">volta</a>]<br /><br /><a name="22"></a>(22) L. Charbonneau-Lassay, <span style="font-style:italic;">Le Christ assis de Venizy et son blason</span>, in <span style="font-style:italic;">Regnabit</span>. T. IV (1923), nº 11, pp. 373 a 383. [<a href="#22a">volta</a>]<br /><br /><a name="23"></a>(23) Conf. <span style="font-style:italic;">Lettre et dessin du Rév. C. Plummer</span>, capelão do <span style="font-style:italic;">Corpus Christi</span> ao autor, 23 de maio de 1913. [<a href="#23a">volta</a>]<br /><br /><a name="24"></a>(24) Leão XIII, <span style="font-style:italic;">Encíclica Annum Sacrum</span>. [<a href="#24a">volta</a>]<br /><br /><a name="25"></a>(25) <span style="font-style:italic;">Ladainha do Sagrado Coração, invoc. 17</span>. [<a href="#25a">volta</a>]<br /><br /><a name="26"></a>(26) Cf. René Guénon, <span style="font-style:italic;">La Chirologie dans l'ésoterisme islamique</span>, in <span style="font-style:italic;">Le Voile d'Isis</span>, T. XXXVII, 1932, nº 149, p. 291. [<a href="#26a">volta</a>]<br /><br /><a name="27"></a>(27) L. Charbonneau-Lassay, <span style="font-style:italic;">Le marbre astronomique de la Chartreuse de Saint-Denis d'Orques</span>, in <span style="font-style:italic;">Regnabit</span>. T. VI, 1924, nº 9, pp. 211 a 225. [<a href="#27a">volta</a>]<br /><br /><a name="28"></a>(28) A obra de Copérnico que estabeleceu pela primeira vez os verdadeiras leis do sistema solar, o <span style="font-style:italic;">De orbium caelestibus revolutionibus</span>, surgiu somente em 1543, ano da morte do autor. [<a href="#28a">volta</a>]<br /><br /><a name="29"></a>(29) Davi, <span style="font-style:italic;">Salmos, XXXVI (Vulgata 35), 10</span>. [<a href="#29a">volta</a>]Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-43076204211108662672009-05-18T21:04:00.004-03:002009-06-15T02:40:25.955-03:00G. K. Chesterton: Porque me converti ao catolicismoEmbora eu seja católico há apenas alguns anos, sei que o problema "por que sou católico" é muito diferente do problema "por que me converti ao catolicismo". Tantas coisas motivaram minha conversão e tantas outras continuam surgindo depois... Todas elas se colocam em evidência apenas quando a primeira nos dá o empurrão que conduz à conversão mesma.<br /><br />Todas são também tão numerosas e tão diferentes umas das outras, que, no final das contas, o motivo originário e primordial pode chegar a parecer quase insignificante e secundário. A "confirmação" da fé, vale dizer, seu fortalecimento e afirmação, pode vir, tanto no sentido real como no sentido ritual, depois da conversão. O convertido não costuma recordar mais tarde de que modo aquelas razões se sucediam umas após as outras. Pois breve, muito breve, este sem número de motivos chega a se fundir em uma só e única razão.<br /><br />Existe entre os homens uma curiosa espécie de agnósticos, ávidos esquadrinhadores da arte, que averiguam com sumo cuidado tudo o que em uma catedral é antigo e tudo o que nela é novo. Os católicos, ao contrário, outorgam mais importância ao fato de se a catedral foi construída para voltar a servir como o que é, quer dizer, como catedral.<br /><br />Uma catedral! A ela se parece todo o edifício de minha fé; desta minha fé que é grande demais para uma descrição detalhada; e da que, com grande esforço, posso determinar as idades de suas diversas pedras.Apesar de tudo, estou seguro de que a primeira coisa que me atraiu ao catolicismo, era algo que, no fundo, deveria ter me afastado dele. Estou convencido de que vários católicos devem seus primeiros passos à Roma à amabilidade do defunto senhor Kensit.<br /><br />O senhor Kensit, um pequeno livreiro da City, conhecido como protestante fanático, organizou em 1898 um bando que, sistematicamente, assaltava as igrejas ritualistas e perturbava seriamente os ofícios. O senhor Kensit morreu em 1902 por causa das feridas recebidas em um desses assaltos. Logo a opinião pública se voltou contra ele, classificando como "Kensitite Press" os piores panfletos anti-religiosos publicados na Inglaterra contra Roma, panfletos carentes de todo são juízo e de toda boa vontade.<br /><br />Lembro especialmente agora estes dois casos: alguns autores sérios lançavam graves acusações contra o catolicismo, e, curiosamente, o que eles condenavam me pareceu algo precioso e desejável.<br /><br />No primeiro caso —acredito que se tratava de Horton e Hocking— mencionavam com estremecido pavor, uma terrível blasfêmia sobre a Santíssima Virgem de um místico católico que escrevia: "Todas as criaturas devem tudo a Deus; ma a Ela, até mesmo Deus deve algum agradecimento". Isto me sobressaltou como um som de trombeta e me disse quase em voz alta: "Que maravilhosamente dito!" Parecia com se o inimaginável fato da Encarnação pudesse com dificuldade encontrar expressão melhor e mais clara que a sugerida por aquele místico, sempre que soubesse entendê-la.<br /><br />No segundo caso, alguém do jornal "Daily News" (então eu mesmo ainda era alguém do "Daily News"), como exemplo típico do "formulismo morto" dos ofícios católicos, citou o seguinte: um bispo francês havia se dirigido a alguns soldados e operários cujo cansaço físico lhes tornava dura assistência na Missa, dizendo-lhes que Deus se contentaria apenas com sua presença, e que lhes perdoaria sem dúvida seu cansaço e sua distração. Então eu disse outra vez a mim mesmo: "Que sensata é essa gente! Se alguém corresse dez léguas por mim, eu estaria muito agradecido, também, que dormisse em seguida em minha presença".<br />Junto com estes dos exemplos, poderia citar ainda muitos outros procedentes daquela primeira época em que os incertos indícios de minha fé católica se nutriram quase com exclusividade publicações anti-católicas.<br /><br />Tenho uma clara lembrança do que veio em seguida a estes indícios. É algo do qual me dou tanto mais conta quanto mais desejaria que não tivesse ocorrido. Comecei a marchar para o catolicismo muito antes de conhecer àquelas duas pessoas excelentíssimas a quem, a este respeito, devo e agradeço tanto: ao reverendo Padre John O'Connor de Bradford e ao senhor Hilaire Belloc; mas o fiz sob a influência de meu acostumado liberalismo político; o fiz até na toca do "Daily News".<br /><br />Este primeiro empurrão, depois de dever-se a Deus, deve-se à história e à atitude do povo irlandês, apesar de que não haja em mim uma só gota de sangue irlandês.<br /><br />Estive apenas duas vezes na Irlanda e não tenho nem interesses ali nem sei grande coisa do país. Mas isso não me impediu de reconhecer que a união existente entre os diferentes partidos da Irlanda deve-se no fundo a uma realidade religiosa, e que é por esta realidade que todo meu interesse se concentrava nesse aspecto da política liberal.<br /><br />Fui descobrindo cada vez com maior nitidez, conhecendo pela história e por minhas próprias experiências, como, durante longo tempo se perseguiu por motivos inexplicáveis a um povo cristão, e continua odiando-lhe. Reconheci então que não podia ser de outra maneira, porque esses cristãos eram profundos e incômodos como aqueles que Nero jogou aos leões.<br /><br />Creio que estas minhas revelações pessoais evidenciam com claridade a razão de meu catolicismo, razão que logo foi se fortificando. Poderia acrescentar agora como continuei reconhecendo depois, que a todos os grandes impérios, uma vez que se afastavam de Roma, passava-lhes exatamente o mesmo que a todos aqueles seres que desprezavam as leis ou a natureza: tinham um leve êxito momentâneo, mas logo experimentavam a sensação de estar enlaçados por um nó, em uma situação da qual eles mesmos não podiam se libertar. Na Prússia há tão pouca perspectiva para o prussianismo, como em Manchester para o individualismo manchesteriano.<br /><br />Todo mundo sabe que a um velho povoado agrário, arraigado na fé e nas tradições de seus antepassados, espera-lhe um futuro maior ou pelo menos mais simples e mais direto ou pelo menos mais simples e mais direto que aos povos que não têm por base a tradição e a fé. Se este conceito se aplicasse a uma autobiografia, seria muito mais fácil escrevê-la do que se fosse esquadrinhar suas diversas evoluções, mas o sistema seria egoísta. Eu prefiro escolher outro método para explicar breve, mas completamente o conteúdo essencial de minha convicção: não é por falta de material que atuo assim, mas pela dificuldade e escolher o mais apropriado entre todo esse material numeroso. Entretanto tratarei de insinuar um ou dois pontos que me causaram uma especial impressão.<br /><br />Há no mundo milhares de modos de misticismo capazes de enlouquecer o homem. Mas há uma só maneira entre todas de colocar o homem em um estado normal. É certo que a humanidade jamais pôde viver um longo tempo sem misticismo. Até os primeiros sons agudos da voz gelada de Voltaire encontraram eco em Cagliostro.<br /><br />Agora a superstição e a credulidade voltaram a expandir-se com tanta vertiginosa rapidez, que dentro de pouco o católico e o agnóstico se encontrarão lado a lado. Os católicos serão os únicos que, com razão, poderão chamar-se racionalistas. O próprio culto idolátrico pelo mistério começou com a decadência da Roma pagã apesar dos "intermezzos" de um Lucrécio ou de um Lucano.<br /><br />Não é natural ser materialista e tampouco sê-lo dá uma impressão de naturalidade. Tampouco é natural contentar-se unicamente com a natureza. O homem, pelo contrário, é místico. Nascido como místico, morre também como místico, principalmente se em vida foi um agnóstico. Enquanto que todas as sociedades humanas consideram a inclinação ao misticismo como algo extraordinário, tenho eu que objetar, entretanto, que uma só sociedade entre elas, o catolicismo, leva em conta as coisas cotidianas. Todas as outras as deixam de lado e as menosprezam.<br /><br />Um célebre autor publicou mais uma vez uma novela sobre a contraposição que existe entre o convento e a família (The Cloister and the hearth). Naquele tempo, há 50 anos, era realmente possível na Inglaterra imaginar uma contradição entre essas duas coisas. Hoje em dia, a assim chamada contradição, chega a ser quase um estreito parentesco. Aqueles que em outro tempo exigiam a gritos a anulação dos conventos, destroem hoje sem dissimulação a família. Este é um dos tantos fatos que testemunham a seguinte verdade: que na religião católica, os votos e as profissões mais altas e "menos razoáveis" —por assim dizer— são, entretanto, os que protegem as melhores coisas da vida diária.<br /><br />Muitos sinais místicos sacudiram o mundo. Mas uma só revolução mística o conservou: o santo está ao lado do superior, é o melhor amigo do bom. Toda outra aparente revelação se desvia por fim a uma ou outra filosofia indigna da humanidade; a simplificações destrutoras; ao pessimismo, ao otimismo, ao fatalismo, à nada e outra vez ao nada; ao "nonsense", à insensatez.<br /><br />É certo que todas as religiões contêm algo bom. Mas o bom, a quinta essência do bom, a humildade, o amor e o fervoroso agradecimento "realmente existente" para com Deus, não se encontram entre elas. Por mais que as penetremos, por mais respeito que lhes demonstremos, com maior claridade ainda reconhecemos também isto: nos mais profundo delas há algo diferente do puramente bom; há às vezes dúvidas metafísicas sobre a matéria, às vezes havia nelas a voz forte da natureza; outras, e isto no melhor dos casos, existe um medo da Lei e do Senhor.<br /><br />Se exageramos tudo isto, nasce nas religiões uma deformação que chega até o diabolismo. Só podem ser suportadas enquanto se mantiver razoáveis e medidas.<br /><br />Enquanto estiverem tranqüilas, podem chegar a ser estimadas, como aconteceu com o protestantismo vitoriano. Pelo contrário, a mais alta exaltação pela Santíssima Virgem ou a mais estranha imitação de São Francisco de Assis, seguiriam sendo, em sua quinta-essência, uma coisa sadia e sólida. Ninguém negará por isso seu humanismo, nem desprezará a seu próximo. O que é bom, jamais poderá chegar a ser Bom DEMAIS. Esta é uma das características do catolicismo que me parece singular e ao mesmo tempo universal. Esta outra a segue:<br /><br />Somente a Igreja Católica pode salvar o homem da destrutiva e humilhante escravidão de ser filho de seu tempo. Outro dia, Bernard Shaw expressou o nostálgico desejo de que todos os homens vivessem trezentos anos em civilizações mais felizes. Tal frase nos demonstra como os santarrões só desejavam —como eles mesmos dizem- reformas práticas e objetivas.<br /><br />Agora bem: isto se diz com facilidade; mas estou absolutamente convencido do seguinte: se Bernard Shaw tivesse vivido durante os últimos trezentos anos, teria se convertido há muito tempo ao catolicismo. Teria compreendido que o mundo gira sempre com a mesma órbita e que pouco se pode confiar em seu assim chamado progresso. Teria visto também como a Igreja foi sacrificada por uma superstição bíblica, e a Bíblia por uma superstição darwinista. E um dos primeiros a combater estes feitos tivesse sido ele. Seja como for, Bernard Shaw desejava para cada um uma experiência de trezentos anos. E os católicos, muito ao contrário de todos os outros homens, têm uma experiência de dezenove séculos. Uma pessoa que se converte ao catolicismo, chega, pois, a ter de repente dois mil anos.<br /><br />Isto significa, se o presenciamos ainda mais, que uma pessoa, ao se converter, cresce e se eleva ao pleno humanismo. Julga as coisas do modo como elas comovem a humanidade, e a todos os países e em todos os tempos; e não somente segundo as últimas notícias dos diários. Se um homem moderno diz que sua religião é o espiritualismo ou o socialismo, esse homem vive integramente no mundo mais moderno possível, quer dizer, no mundo dos partidos.<br /><br />O socialismo é a reação contra o capitalismo, contra a insana acumulação de riquezas na própria nação. Sua política seria de todo diversa se fosse vivida em Esparta ou no Tibet. O espiritualismo não atrairia tampouco a atenção se não estivesse em contradição deslumbrante com o material estendido em todas as partes. Tampouco teria tanto poder se os valores sobrenaturais fossem mais reconhecidos.<br /><br />Jamais a superstição tem revolucionado tanto o mundo como agora. Só depois que toda uma geração declarou dogmaticamente e de uma vez por todas, a IMPOSSIBILIDADE de que haja espíritos, a mesma geração deixou-se assustar por um pobre, pequeno espírito. Estas superstições são invenções de seu tempo —poderia se dizer em sua desculpa—. Já faz muito, entretanto, que a Igreja Católica tenha aprovado não ser ela uma invenção de seu tempo: é a obra de seu Criador, e continua sendo capaz de viver o mesmo em sua velhice como em sua primeira juventude: e seus inimigos, no mais profundo de suas almas, perderam já a esperança de vê-la morrer algum dia.<br /><br />G. K. Chesterton<br /><br />(<span style="font-style:italic;">In</span> <a href="http://www.acidigital.com/biografias/vidas/chesterton1.htm">http://www.acidigital.com/biografias/vidas/chesterton1.htm</a>)Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-59761982498741218552009-05-18T04:04:00.007-03:002009-05-18T19:05:07.139-03:00Léon BloyLéon Bloy (11.07.1846-3.11.1917) foi um dos maiores escritores católicos modernos. Peregrino do Absoluto, Mendigo Ingrato, escreveu diários, romances, ensaios. Era uma alma profética, um espírito de fogo. Praticamente desconhecido entre nós, transcrevo abaixo alguns parágrafos seus, parte de um material que reuni para um espetáculo que talvez nunca venha a fazer. Fica então esta página, como homenagem a esse grande homem, que muito li e que muito me inspirou, e como substitutiva do espetáculo (por ora) abortado. Todos os textos retiro da tradução de Octávio de Faria,<span style="font-style:italic;">in</span> "Léon Bloy", Gráfica Record Editôra, Rio de Janeiro, 1968.<br /><br /><br />Sei bem que nasci em tal época, em determinado lugar e que, entre os homens, tenho um nome. Tive pai e mãe, tive irmãos, amigos e inimigos. Tudo isso é indubitável, mas ignoro o nome de minha alma, ignoro de onde veio e, por conseguinte, não sei absolutamente quem sou. Quando ela deixar meu corpo, este se reduzirá a pó. E as queridas criaturas que me sobreviverão, chorando, herdeiras de meu reconhecimento, não poderão me designar em suas orações senão pelo nome de empréstimo que serviu a me separar um pouco dos outros mortais...<br /><br />Deveríamos encontrar-nos hoje, em virtude de um decreto divino, muito anterior à criação dos dias. Pois assim acontece com todas as coisas, já que o acaso, deus dos imbecis, não existe. Deveríamos nos encontrar por motivos certamente admiráveis, tendo em vista um acontecimento desconhecido, cuja esperança embebeda os Céus. Será necessária toda a eternidade para admirar a absoluta indizível beleza das coisas que não somos nós mesmos a fazer. E sabeis que jamais fazemos o nosso destino... Ah, se soubéssemos, realmente, que não existem coisas pequenas e quanto tudo o que se passa é grande, seria para morrer de deslumbramento.<br /><br />Li que um grande senhor do século XVIII tinha em seu castelo salas tão ricas que não havia jeito de cuspir senão no rosto do proprietário. É o que acontece ao Verbo encarnado. Fez o universo tão belo que só ficou a sua dolorosa Face para ser ultrajada. Então, por que fazer cerimônia? Tudo o que fica à sua volta tem um inapreciável valor. A própria esterqueira faz crescerem batatas que valem dinheiro e que são vantajosas para engordar porcos. Poderá haver um instante de dúvida na escolha?<br /><br />Judas, que foi muito caluniado, mesmo por São João, que o acusa de ter sido um ladrão, Judas era simplesmente uma vítima do Absoluto. E foi por isso que foi, tão tolamente, devolver o dinheiro aos Príncipes dos Sacerdotes, em vez de pô-lo a render juros, como o teria feito um qualquer moderno burguês católico de Amsterdã ou de Roterdã.<br /><br />O visível é o rastro dos passos do invisível.<br /><br />Chegamos a esse formidável e absolutamente estranho momento em que, Deus tendo sido expulso de toda parte, nenhum homem saberá mais para onde ir...<br /><br />Deus existe ou Deus não existe. Se se lhe concede a existência, é preciso concedê-la efetiva, supondo uma infinita continuidade da Criação, o que implica a onipotência absoluta no conhecido e no desconhecido, no visível e no invisível. Se o Ato criador se interrompesse, no mesmo instante o mais duro granito e todos os metais se reduziriam a poeira, e essa própria poeira não subsistiria. Não haveria mais nada. A natureza inteira se dissolveria no ininteligível vazio. Se esse postulado não for admitido, é-se forçosamente um ateu ou um imbecil, o que aliás é equivalente, do ponto de vista estético.<br /><br />Nenhum homem pode ver senão o que está em si mesmo. Se vemos a Via-Láctea, é que ela existe verdadeiramente em nossa alma. Depois disso, que os senhores astrônomos digam tudo o que bem entenderem. Faz passar o tempo e é menos tolo do que jogar manilha ou fazer experiências de aviação. Penso obstinadamente que um Pater, dito com fé, por um homem muito humilde, tem mais poder para perfurar o espaço que o mais gigantesco dos telescópios e que tudo o que não é Oração é ilusão!<br /><br />A maldição das criancinhas! A muito curta narração dos Evangelhos que se refere ao massacre dos Inocentes em Belém impressionou de tal modo o mundo que nenhum acontecimento histórico o ultrapassa na lembrança dos homens. Foi como que um pavor único, um meteoro de horror, difícil de admitir. Os artistas que ensaiaram traduzir a seu modo a espantosa concisão do Texto sacro parecem ter sido tomados por uma estranha paralisia. "Quem quer que receba em meu nome um desses pequenos", disse Jesus, "é a mim mesmo que recebe". O que pensar então daquele que os degola, que os mutila, ou que inflige às suas almas puras uma tristeza mais negra do que a morte? A maldição de uma única criança é uma coisa terrível, sobre-humana, que desconcerta até os mais fortes. O coração humano não foi feito para suportá-la. Mas, a maldição de uma multidão de crianças, é um cataclisma, um prodígio de terror, uma cadeia de montanhas sombrias no céu, com uma cavalgada de raios e trovões em seus cumes. É o infinito dos gritos de todos os abismos, é um não sei quê de altamente poderoso que não perdoa e que extingue a esperança de qualquer perdão. Os Herodes foram sempre os mordomos da Casa estéril, do Palácio das trevas nos quais as crianças são detestadas. Sabem o que têm de fazer e seu Senhor sabe, melhor ainda, o que prepara para recompensá-los de seu zelo.<br /><br />Horror de viver em uma época tão má, tão renegada que é impossível nela encontrar um santo. Não digo um santo homem, mas um santo, curando doentes e ressuscitando mortos, a quem se possa dizer: o que quer Deus de mim e o que é preciso que eu faça? Nessa embrulhada terrível que pode fazer um pobre profeta?<br /><br />Esse fim de século temível e carregado de mistério, como a maioria dos fins de século, oferece à observação filosófica a enorme singularidade moral de um avultado número de homens submetidos às pungentes angústias de um espiritualismo sem conclusão definida e que não se consegue precisar em nenhuma fórmula religiosa. Se se quiser considerar bem o que é a alma e o seu terrível apetite natural de unidade e de infinito, ficar-se-á facilmente surpreso com essa incrível força contra a inanição, com a inconcebível paciência desse tigre celeste, cativo e privado de alimento. É um milagre de extravagante compressão exercida sobre uma máquina infinitamente aquecida e que, no entanto, não explode. (...) Existem muitos desses estranhos atormentados que os outros séculos não conheceram e aos quais jamais teriam compreendido. Trata-se do inasfixiável, inextinguível sentimento religioso, sobrevivendo à própria noção de qualquer símbolo divino. As naturezas vulgares saem-se como podem, adorando o dinheiro ou a carne. As naturezas superiores não se saem de modo algum, e vão pelo mundo lançando gritos mais terríveis do que o das águias feridas que levam sua agonia para o fundo dos céus e que ficam eternamente a cair no firmamento.<br /><br />Assistimos, hoje, à mais importante das feiras de almas jamais presenciadas. Inútil esperar encontrar Deus. Como poderia não se distanciar dela? É o Sangue de seu Filho que está no mercado, o muito precioso Sangue de seu Filho derramado pela salvação de todos os homens.<br /><br />Viver a sua vida. Vive-se a sua vida quando se sabe ficar instalado num muito firme propósito de ignorar que há homens sofrendo, mulheres em desespero, crianças agonizando, e que se está em condições de aproveitar voluptuosamente de tudo isso. <br /> <br />Vive-se a sua vida quando se faz unicamente o que agrada aos sentidos, sem querer saber que há outras almas no vasto mundo e que, pessoalmente, se tem uma bem pequena alma exposta a estranhas e perigosas surpresas.<br /><br />Acredito que um espírito avisado formularia assim os pensamentos que me agitam: o mundo moderno perdeu a pura noção do VERDADEIRO e não lhe resta mais senão a noção do ÚTIL. Isto é: de tanto orgulho a posteriori, chegou a destruir a idéia sobrenatural de um Deus revelador que o espírito humano não tinha jamais concebido senão a priori, e não logrou reter senão o arriscado conceito das materialidades ambientes cujo artesão negava.<br /><br />Ninguém ainda percebeu, creio, que o sublime destino do Burguês é exatamente o contrário ou o inverso da Redenção, tal como a concebem os cristãos. É somente para ele que o gênero humano deve ser crucificado. Compreendam-me bem: somente para ele. Foi necessário, ao que se diz, que o Filho de Deus se encarnasse, que sofresse sob Pôncio Pilatos e morresse na cruz para que todos os homens fossem resgatados. Eis o inverso. É indispensável, é absoluta e de toda a eternidade necessário, que a totalidade das criaturas se imole, voluntária ou involuntariamente, para que o Burguês viva em paz, para que tenha tranqüilidade em suas tripas e seus rins, para que se saiba que ele é o verdadeiro Deus e que tudo foi feito para ele.<br /><br />Amar outra coisa do que o que é ignóbil, malcheiroso ou estúpido; desejar a Beleza, o Esplendor, a Beatitude; preferir uma obra de arte a uma sujeira, e o Julgamento Final de Miquelângelo a um inventário de fim de ano; ter mais necessidade de uma plenitude da alma do que da saciedade dos intestinos; acreditar, enfim, na Poesia, no Heroísmo, na Santidade, eis o que o Burguês chama "viver nas nuvens"... Em resumo, para subir instantaneamente às nuvens, basta fazer, pensar, querer ou sonhar não importa o que seja limpo ou quase limpo, mesmo que só seja por um meio seguro. Eis, pois, que essas famosas nuvens tão energicamente anatematizadas pelo Burguês, podem, infelizmente, ser encontradas por ele a cada esquina. Não importa o que faça, não pode estar nunca certo de evitá-las. E eis porque sua sorte, tolamente invejada, é tão dolorosa! Freqüentemente se colocou o problema de saber porque o Burguês é tão porco, tão crapulosamente baixo, tão enterrado nas latrinas! Simplesmente: por causa das nuvens.<br /><br />O bom Deus do Burguês é uma espécie de empregado a respeito de quem ele não se sente muito seguro e a quem absolutamente não honra com sua confiança. Paga-o mal e está sempre disposto a despedi-lo, quites a retomá-lo a seu serviço no mesmo dia, conforme a necessidade que tenha. Pois, não há como negar, nas lojas, o bom Deus é extremamente decorativo.<br /><br />Que é o burguês? É um porco que gostaria de morrer de velhice.<br /><br />O que mais repugna ao instinto do burguês, é a comunhão cotidiana. O burguês come tudo, exceto Deus.<br /><br />O Burguês pode dispensar a vida eterna. É o que o distingue dos animais.<br /><br />Os mais insignificantes burgueses são, sem o saber, terríveis profetas, que não podem abrir a boca sem fazer estremecer as estrelas, e os abismos da Luz são imediatamente invocados pela voragem de sua Estupidez.<br /><br />É verdade que o mundo não é muito difícil de ficar admirado. É tão medíocre e tão baixo, esse apanágio de Satanás, que uma aparência de força ou de grandeza basta, comumente. Foi o que muitas vezes se viu nos nossos dias quando políticos ou escritores, capazes no máximo de aguilhoar carne ou de filar jantares, puderam se fazer admirar por multidões.<br /><br />Que o queira ou não, que o saiba ou que o ignore, cada homem é forçado, a todo instante de sua vida, a declarar a morte de Jesus Cristo. Quem compra um pão, anuncia a morte de Jesus Cristo.<br /><br />Espanto-me que alguns achem muito natural o que está acontecendo, quando, visivelmente, tudo nos ultrapassa e que nenhuma explicação puramente humana pode ser suficiente.<br /><br />É a mais banal das ilusões acreditar que se é realmente o que se parece ser. E essa ilusão universal é corroborada, ao longo da vida, pela impostura tenebrosa de todos os nossos sentidos. Não será preciso nada menos que a morte para nos ensinar que nos enganamos sempre. No momento em que nos for revelada nossa identidade, tão desconhecida para nós mesmos, inconcebíveis abismos se desvendarão ante nossos verdadeiros olhos abismo em nós, e fora de nós. Os homens, as coisas, os acontecimentos, serão enfim esclarecidos, e cada um poderá verificar a afirmação daquele místico que dizia que, depois da Queda, o gênero inteiro adormeceu profundamente. Sono prodigioso das gerações, naturalmente acompanhado da incoerência e da deformação infinitas de todos os sonhos. Somos criaturas adormecidas povoadas de imagens semi-apagadas do Éden perdido, mendigos cegos às portas de um sublime palácio de portas fechadas. Não somente não conseguimos nos ver uns aos outros, como nos é impossível, pelo som da voz, identificar o nosso mais próximo vizinho. Eis o teu irmão, é-nos dito. Ah, Senhor, como poderei reconhecê-lo, nessa indiscernível multidão? E como poderia saber se se parece comigo, se ele foi feito à vossa imagem, tanto quanto eu, e se ignoro a minha própria figura? Enquanto espero que vos apraza acordar-me, só tenho meus sonhos, e eles, às vezes, são estarrecedores. Como me será mais difícil compreender as coisas que me rodeiam! Creio em realidades materiais, concretas, palpáveis, tangíveis como o ferro, indiscutíveis como a água de um rio, e uma voz interior, vinda das profundidades, certifica-me de que só existem símbolos, que meu corpo ele mesmo não é senão aparência e que tudo o que me circunda é uma enigmática aparência. Ensinam-nos que Deus nos dá seu Corpo para comer e seu Sangue para beber sob as aparências da Eucaristia. Então, por que quereriam que nos desse de um modo menos encoberto uma parcela de sua criação, por mais ínfima que fosse? Enquanto os homens se agitam em visões de sono, só Deus, único capaz de agir, faz realmente qualquer coisa. Ele escreve a sua própria Revelação na aparência dos acontecimentos desse mundo, e é por isso que o que se chama a história é tão perfeitamente incompreensível.<br /><br />O que cada homem é, exatamente, ninguém jamais o poderá dizer. No máximo, os mais favorecidos podem invocar ascendentes encontrados, há séculos atrás, nos tenebrosos desvãos da história, e cujos nomes, inscritos em velhíssimos pergaminhos, ainda se podem ler nos raros túmulos que o tempo não destruiu. Os joões-ninguém, aos quais pertenço, não sabem nada ou quase nada de seus antepassados imediatos, paternos ou maternos. Mas, uns como outros, ignoram invencivelmente seu parentesco espiritual, e as gotas de sangue mais ou menos ilustre, de que os soberbos se vangloriam, não constituem para ninguém uma IDENTIDADE. Podeis saber quem vos engendrou. Mas, sem uma revelação divina, como podereis saber quem vos concebeu? Acreditais ter nascido de um ato, nascestes de um pensamento. Toda geração é sobrenatural. O estado civil, de que às vezes tanto vos orgulhais, nada diz sobre vossa alma e o seu nulo registro, a única coisa que pode testemunhar, é a vossa antecipada destinação no cemitério. Se existe uma árvore genealógica das almas, somente os Anjos podem ser admitidos a contemplá-la. As demais árvores assim designadas são decepcionantes e incertas. A genealogia das almas! Quem pode compreender isso?<br /><br />Ah, é preciso que, um dia, Deus, que fez a língua do homem, vingue terrivelmente essa pobre ultrajada!<br /><br />Certa vez um padre me escreveu dizendo "não ter alma de santo". Respondi que eu tenho a alma de um santo; que meu senhorio, que é um abominável burguês, meu padeiro, meu açougueiro, meu quitandeiro, que são talvez uns grandes canalhas, todos têm almas de santos, visto terem sido todos chamados, tão bem quanto aquele padre ou eu, tanto quanto São Francisco ou São Paulo, à Vida eterna. E terem sido todos resgatados pelo mesmo preço. Não existe nenhum homem que não seja um santo, virtualmente. O pecado ou os pecados, mesmo os mais graves, são acidentes acessórios que em nada afetam a substância. Na minha opinião, este é o ponto de vista certo. Quando, indo a um café, ponho-me a ler jornais ignóbeis e estúpidos, olho em torno de mim e vejo os freqüentadores daquele lugar, observo sua alegria tola, ouço suas bobagens ou suas blasfêmias, digo a mim mesmo que me encontro ali entre almas que são imortais, mas que não se dão conta disto, almas criadas para a adoração eterna da Santíssima Trindade e, por conseguinte, tão preciosas como os espíritos angélicos. Então, não é raro que me ponha a chorar, não de compaixão, mas por amor, lembrando-me que todas essas almas, por maior que seja sua cegueira atual, e sejam quais forem as atitudes aparentes do corpo, irão inexoravelmente a Deus, que é o seu destino final. Ah! se se soubesse como isso é belo! Mas vós - o tal padre, vós o sabeis e deveríeis mo ensinar, se já não o soubesse. Que pobres cristãos somos nós! Recebemos o Sacramento do Batismo, o da Confirmação, às vezes mesmo o da Ordem e, com tudo isso, nos falta caráter! Existe uma forma aparente de humildade que se assemelha à ingratidão. "Não tenho alma de santo." Fomos feitos santos por Nosso Senhor Jesus Cristo e não ousamos crer e dizer firmemente que somos santos! Ah!, meu caro amigo, que belas e exaltantes palavras poderiam ser ditas por um pregador que estivesse compenetrado dessas idéias.<br /><br />Cada um de nós é santo, posto que somos todos membros de Jesus Cristo. A danação, tal como a logram tantos burgueses, é um ato infinitamente monstruoso que consiste em amputar Deus.<br /><br />Tudo o que Deus fez é santo sob um aspecto que só Ele poderá explicar. A água é santa, as pedras são santas, as plantas são santas, o fogo é a devoradora figura de seu Espírito Santo. Toda a sua obra é santa. Só o homem, mais santo que as outras criaturas, não quer saber da santidade.<br /><br />Os cristãos do mundo são imóveis e estão satisfeitos consigo mesmos. Os outros, em bem pequeno número, são torrentes que jamais se satisfazem. Deus vos quer santo. Não digo virtuoso, nem honrado, o que basta aos burgueses. Mas SANTO. E, a isso, saberá vos obrigar, nem que seja à custa de terríveis dores.<br /><br />A população total do nosso globo é avaliada (1917) em um bilhão e quatrocentos milhões de indivíduos. Quantas almas realmente vivas nesse fervilhar de seres humanos? Uma por cem mil, talvez. Ou por cem milhões. Não se sabe. Há seres superiores, homens de gênio mesmo, talvez, cuja alma não foi vivificada e que morrem sem ter vivido. Um coração simples dirá cada dia, chorando de angústia: "Em que pé estou com o Espírito Santo? Sou verdadeiramente um vivo ou um morto que se deveria enterrar?" É terrificante pensar que se subsiste no meio de uma multidão de mortos que se acredita vivos e que o amigo, o companheiro, o irmão que se viu de manhã e que se vai tornar a ver à noite, só tem vida orgânica, uma aparência de vida, uma caricatura de existência. E que, na verdade, é apenas diferente daqueles que já se estão desfazendo nos túmulos. É intolerável, por exemplo, pensar que se nasceu de pai e mãe que não existiam. E que esse padre, presente no altar, talvez não seja muito diverso de um outro já falecido e que o Fármaco da imortalidade, o Pão que ele consagrou para nos transmitir a Vida eterna, ele o vai estender com mão de cadáver, proferindo com voz defunta as santas palavras da liturgia! Funcionam, no entanto, todos esses fantasmas, com uma perfeita regularidade. A missa daquele padre é tão válida quanto a de um santo. Certa, a absolvição que administra aos pecadores. A força de seu ministério sobrenatural perdura enquanto a morte não triunfou definitivamente dele. E assim acontece com todos os semi-trespassados que nos rodeiam e que somos forçados a chamar, por antecipação: mortos. Continua-se a agir e mesmo a pensar mecanicamente, com uma alma destituída de vida.<br /><br />Não pensas nos mortos, não é? No entanto, não é mais um moço e, se não és completamente estúpido, deves ter reparado na espantosa semelhança que assumem, aos olhos de um velho, todas as fisionomias humanas como uma firmação mais precisa da identidade universal , à medida que nos afastamos das ondulantes ilusões da adolescência. Chegamos mesmo a não ver senão um só homem em todos os homens, quando nos aproximamos do túmulo.<br /><br />Pois não há meio de prescindir do Mistério, quando se foi feito "à imagem e semelhança de Deus". Pode-se viver sem pão, sem vinho, sem teto, sem amor, sem felicidade. Não se pode viver sem Mistério. A natureza humana o exige.<br />Hoje, a feiúra do mundo visível é pavorosa, mas a sua feiúra invisível, a sua verdadeira feiúra, quem a poderá descrever? Refleti que a fé morreu, que o cristianismo está enterrado. Como quererão que não sucedam terríveis desgraças?<br />Uma vez por todas, é preciso que vos habitueis à minha linguagem e que vos compenetreis dessa idéia bem simples que não pertenço a nada e a ninguém a não ser a Deus e à sua Igreja. Quero dizer: a Igreja invisível. A visível, concordo, tornou-se abominável, se bem que me sinta infinitamente longe de permitir às pulgas e aos piolhos do traseiro de Zola ou de Clemenceau o exorbitante direito de ter alguma opinião a esse respeito. Tudo o que não é exclusivamente, perdidamente católico, não tem outro direito além do de se calar, sendo apenas digno de limpar os urinóis de hospital ou de raspar a sujeira aderida às latrinas de uma caserna de infantaria alemã.<br /><br />Afirmo com segurança que o mundo católico moderno é um mundo condenado, danado; absoluta, irremediavelmente rejeitado. Um mundo de que o Senhor Jesus se fartou do modo mais total, um espelho de ignomínia onde Ele não pode se mirar sem ter medo, como em Getsêmani.<br /><br />Vim pôr fogo no mundo e, assim, o que posso eu querer senão que ele queime? Assim fala Jesus, no Evangelho. Logo, todo católico tem o direito e o dever de ser um incendiário.<br /><br />Hoje, no entanto, há um começo de inquietação. Há como que um pequeno sopro que poderá se tornar um vento pânico. As consciências ainda válidas sentem que esse farisaísmo não pode durar, que Deus vomita o catolicismo das "pessoas honradas" e que estamos no momento de restaurar o catolicismo dos Pés-descalços, o catolicismo dos que não têm alegrias neste mundo e cujo sofrimento clama às abóbadas do Paraíso, o catolicismo dos vencidos, dos ensangüentados, dos soluçantes, dos malditos, dos desesperados, daqueles que têm fome e sede, dos que gelam e dos que ardem, o catolicismo das grandes almas!...<br /><br />Os danados não têm outro refrigério, no abismo de suas torturas, senão a visão das terríveis faces dos demônios. Os amigos de Jesus vêem à sua volta os cristãos modernos e é assim que podem conceber o inferno.<br /><br />Simão, o Cirenaico, ajuda Jesus a carregar a sua Cruz. Os cristãos modernos põem suas cruzes nas costas de Jesus.<br /><br />Tive muito freqüentemente a ocasião de falar da tolice de nossos católicos, prodígio enorme, que demonstra, por si só, a divindade de uma religião capaz de resistir-lhes.<br />Antigamente, há muito tempo mesmo, quando ainda havia bispos e cristãos, é coisa sabida que os moços educados para o bem, homens ou mulheres, podiam ler ou olhar impunemente as obras belas, mesmo se nelas se encontrassem esses detalhes que hoje fazem corar os nossos beatos. Era-se sadio e forte e as almas só assimilavam o Belo. Um sangue generoso, um estômago robusto, facilmente eliminam os venenos. Os anêmicos, os deprimidos, os moribundos de fome e miséria, são, pelo contrário, as vítimas primeiras de qualquer flagelo. O contágio galopa neles como os vermes nos cadáveres. Tal é a terrível situação dos católicos atuais, exclusivamente alimentados, de um século para cá, pelas mais debilitantes insignificâncias. Privados do alimento vigoroso das grandes obras, os leitores e leitoras dos "bons romances" correm para a luxúria como os porcos para o lodo. À força de precauções sujas ou imbecis, as imaginações católicas e sentimentais parecem voltadas apenas para o pecado da carne.<br /><br />Os imbecis estão na Igreja como as pulgas nas casas velhas. Apavoram os visitantes e fazem com que os locatários se mudem.<br /><br />Alguns padres parecem encarar os próprios Preceitos do Evangelho como brincadeiras já ultrapassadas. É como se os ouvíssemos dizer: "sim, sim, já ouvi essa, agora não funciona mais". Em geral, esses terríveis padres ficam habituados, desde o seminário, a ver nas Escrituras uma simples matéria de exame que nada tem em comum com o que eles chamam: a vida prática.<br /><br />A arte não é o meu fim, apenas um instrumento de que aprendi a me servir como de uma espada ou de um canhão. E sou, antes e acima de tudo, uma alma religiosa. Daria todos os artistas do mundo e todas as obras-primas da arte pela Oração Dominical dita por um mendigo à beira de uma vala. Sabeis por acaso o que é essa Oração? Não, não é? Então, que podeis compreender de um homem que não escreveu senão para parafrasear suas sílabas e que pensa continuamente na morte?<br /><br />Na Poesia e na Arte, um homem sem entusiasmo, isto é: sem Deus e não sabendo sofrer, não tem razão de ser e nem mesmo o direito de existir. Um escritor que nada diz às nossas almas é o mais vil dos escravos e o mais revoltante dos histriões. Profana a linguagem humana - a linguagem que Deus usou - e se torna culpado do misterioso crime que o Evangelho dos Cristãos proclama irremissível.<br /><br />Ninguém, seja entre os melhores cristãos, parece procurar Deus, nem mesmo pensar Nele. Todos se sentam à mesa como cães e vão para a cama como porcos. Impossível conseguir a menor atenção, quando se fala em Deus.<br /><br />Só há uma tristeza: a de não ser santo!Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-85402523157929573232009-04-30T11:34:00.003-03:002009-04-30T11:51:06.850-03:00Aquecimento GlobalA Grande Farsa do Aquecimento Global<br /><br />Veja o documentário produzido pelo canal 4 da televisão britânica sobre o aquecimento global.<br /><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/RDzuXPM1W3k&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/RDzuXPM1W3k&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/L18k0Y5MMok&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/L18k0Y5MMok&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/r68nSt2fMPY&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/r68nSt2fMPY&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/KNtvuA-D_O8&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/KNtvuA-D_O8&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/7QojxAG_rd8&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/7QojxAG_rd8&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/0mZSKRDDBFE&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/0mZSKRDDBFE&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/atYTQ3soxZo&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/atYTQ3soxZo&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object><br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/KI6_1ndsTFg&hl=pt-br&fs=1"></param><param name="allowFullScreen" value="true"></param><param name="allowscriptaccess" value="always"></param><embed src="http://www.youtube.com/v/KI6_1ndsTFg&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-15492404456119258592009-04-12T04:06:00.012-03:002009-04-12T05:11:36.848-03:00Feliz Páscoa<span class="description">Este é o dia que o Senhor fez para nós! Alegremo-nos e nele exultemos!<br /><br />Se Cristo não ressuscitou, diz São Paulo, nós, cristãos, somos os mais miseráveis dos homens.<br /></span><span class="description"><br />Cristo ressuscitou! Verdadeiramente ressuscitou! </span><span class="description"> (Christos anesti! Alethos anesti!) </span><span class="description">Na Igreja Católica Oriental e na Ortodoxa as pessoas cumprimentam-se assim no domingo de Páscoa , e até Pentescostes repete-se incansavelmente essas duas pequenas frases, capazes de encher de alegria o coração de todo cristão.<br /><br />Ouça Pedro Gaitanos cantando o hino que entoa-se muitas e muitas vezes na liturgia de Páscoa. No outro vídeo, </span><span class="description">Irene Papas </span><span class="description"> canta o mesmo hino </span><span class="description">acompanhada por Vangelis</span><span class="description">. Algumas imagens são de gosto duvidoso, mas a música compensa tudo. Coloco ao pé da página o texto em grego e a tradução. Se quiser ouvir outras versões desse hino, digite no YouTube "Christos anesti".<br /><br />Uma feliz e abençoada Páscoa!<br /><br /><br /><object width="190" height="170"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/GGCP3P5hl7A&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/GGCP3P5hl7A&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="190" height="170"></embed></object> <object width="190" height="170"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/AKwizUzyj0I&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/AKwizUzyj0I&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="190" height="170"></embed></object><br /><br />Χριστός ανέστη εκ νεκρών, θανάτω θάνατον πατήσας, και τοις εν τοις μνήμασι, ζωὴν χαρισάμενος! (Christos anesti ek nekron, thanato thanaton patisas, ke tis en tis mnimasin, zoin charisamenos!)<br /><br />(Cristo ressuscitou dos mortos, pela morte venceu a morte, dando a vida aos que estão nos túmulos!)<br /><br /></span>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-5770141225432673582009-04-10T03:39:00.006-03:002009-04-12T04:48:38.883-03:00Meditação - Sexta-Feira SantaSanto Tomás de Aquino fala-nos sobre a Paixão de Nosso Senhor como exemplo para nossa vida:<br /><br />Como disse S. Agostinho: <span style="font-style: italic;">A Paixão de Cristo é suficiente</span> <span style="font-style: italic;">para ser o modelo de toda a nossa vida. </span>Quem quer que queira ser perfeito na vida, nada mais é necessário fazer senão desprezar o que Cristo desprezou na cruz, e desejar o que nela Ele desejou.<br /><br />Nenhum exemplo de virtude deixa de estar presente na cruz. Se nela buscas um exemplo de caridade, - <span style="font-style: italic;">ninguém tem maior caridade do que aquele que dá sua vida pelos amigos </span>(Jo 15,13).<br />Ora, foi o que Cristo fez na cruz.<br />Por isso, já que Cristo entregou a sua vida por nós, não nos deve ser pesado suportar toda espécie de males por amor a Ele. <span style="font-style: italic;">O que retribuirei ao Senhor, por todas as coisas que Ele me deu? </span>(Sl 115,12)<br /><br />Se procuras na cruz um exemplo de paciência, nela encontrarás uma imensa paciência. A paciência manifesta-se extraordinária de dois modos: ou quando alguém suporta grandes males pacientemente, ou quando suporta aquilo que poderia ser evitado e não quis evitar.<br />Cristo na cruz suportou grandes sofrimentos: <span style="font-style: italic;">Ó vós todos que passais pelo caminho, parai e vede se há dor igual à minha! </span>(Je 1,17); <span style="font-style: italic;">Como a ovelha levada para o matadouro, e como o cordeiro silencioso na tosquia </span>(1 Ped 2,23).<br />Cristo na cruz suportou também os males que poderia ter evitado, mas não evitou: <span style="font-style: italic;">julgais que não posso rogar a meu Pai e que Ele logo não me envie mais que doze legiões de Anjos? </span>(Mt 26,53)<br />Realmente, a paciência de Cristo na cruz foi imensa! <span style="font-style: italic;">Corramos com paciência para o combate que nos espera, com os olhos fitos em Jesus, o autor da nossa fé, que a levará ao termo</span>: <span style="font-style: italic;">Ele que, lhe tendo sido oferecida a alegria, suportou a cruz sem levar em consideração a sua humilhação</span> (Heb 36,17).<br /><br />Se desejares ver na cruz um exemplo de humildade, basta-te olhar para o crucifixo. Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer: <span style="font-style: italic;">A vossa causa, Senhor, foi julgada como a de um ímpio </span>(Jo 36,17). Sim, de um ímpio, porque disseram: <span style="font-style: italic;">Condenêmo-lo a uma morte muito vergonhosa </span>(Sab 2,20).<br />O Senhor quis morrer pelo seu servo, e Aquele que dá a vida aos Anjos, pelo homem: <span style="font-style: italic;">Fez-se obediente até à morte </span>(Fil 2,8).<br /><br />Se queres na cruz um modelo de obediência, segue Àquele que se fez obediente ao Pai, até à morte: <span style="font-style: italic;">Assim como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores; também pela obediência de um só homem, muitos se tornaram justos </span>(Rom 5,19).<br /><br />Se na cruz estás procurando um exemplo de desprezo das coisas terrenas, segue Àquele que é o Rei e o Senhor dos Senhores, no qual estão os tesouros da sabedoria, mas que na cruz aparece nu, ridicularizado, escarrado, flagelado, coroado de espinhos, na sede saciado com fel e vinagre, e morto.<br />Não te deves apegar às vestes e às riquezas, <span style="font-style: italic;">porque dividiram entre si as minhas vestes </span>(Sl 29,19); nem às honras, porque Eu suportei as zombarias e os açoites; nem às dignidades, porque puseram em minha cabeça uma coroa de espinhos que trançaram; nem às delícias, porque <span style="font-style: italic;">na minha sede deram-me vinagre para beber </span>(Sl 68,22).<br />Comentando este texto da Carta aos Hebreus - <span style="font-style: italic;">Que, apesar de lhe oferecerem alegria, suportou a cruz, desprezando a humilhação dela </span>(12,2) -, Agostinho nos diz: <span style="font-style: italic;">O homem, Cristo Jesus, desprezou todos os bens terrenos, para mostrar que devem ser desprezados.<br /><br /><span style="font-style: italic;"><span style="font-style: italic;">(In </span></span></span>"Exposição sobre o credo", Ed. Loyola, São Paulo, 1994, trad. de D. Odilão Moura, OSB)<span style="font-style: italic;"><span style="font-style: italic;"><span style="font-style: italic;"></span></span><br /></span>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-35952360433017471322009-03-27T02:08:00.004-03:002009-03-27T02:29:32.684-03:00MarcelaAssisti há pouco o filme abaixo. É a história de Marcela, um bebê anencéfalo que viveu um ano e oito meses. O vídeo tem quinze minutos. É impressionante ver a alegria e a paz que essa menina trouxe à família. Nem o médico, nem os pais da menina pensaram um momento sequer em abortá-la. Uma vacina contra a ideia eugênica de eliminar bebês doentes ou defeituosos.<br /><br /><object width="425" height="344"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/rlBqXl0BPr0&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/rlBqXl0BPr0&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="425" height="344"></embed></object>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-40722707994601197852009-03-22T22:46:00.009-03:002009-04-12T04:48:59.556-03:00MeditaçõesSe você é cristão, não deixe de ouvir a seqüência de meditações sobre os pecados capitais postadas pelo padre Paulo Ricardo em seu site. É uma verdadeira maravilha. Os pecados capitais não são propriamente os pecados cometidos, mas as principais tendências que nos levam a eles (para evitar esta confusão muito comum ele os denomina de "doenças espirituais").<br />Pe. Paulo faz uma análise de cada pecado e expõe os conselhos ascéticos da tradição da Igreja para combatê-los, baseado principalmente nos escritos dos Santos Padres, ou Padres do Deserto.<br />Ouça-as na ordem, começando pela Introdução que está bem no final da página - <a href="http://www.padrepauloricardo.org/espiritualidade/">clique aqui</a>.Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-81251414754485882152009-03-21T02:46:00.008-03:002009-03-27T01:51:07.531-03:00Ainda o aborto em Recife<span style="font-style: italic;">Transcrevo abaixo a entrevista que o Padre Paulo Ricardo deu para Olavo de Carvalho em seu programa de 16 de março onde, além de falar da questão do aborto no Recife e de sua repercussão na mídia, o padre dá uma chamada nos padres e bispos brasileiros e em </span><span>nosotros</span><span style="font-style: italic;">, leigos (</span><a style="font-style: italic;" href="http://www.blogtalkradio.com/profile.aspx?userid=1285">ouça o programa completo aqui</a><span style="font-style: italic;">) - não deixe também de ler um comentário mais técnico sobre o caso, acompanhado de uma ampla explanação sobre a situação do aborto no Brasil e no mundo </span><a style="font-style: italic;" href="http://www.pesquisasedocumentos.com.br/recife.txt">neste link</a><span style="font-style: italic;">.</span><br /><br />Padre Paulo - Eu estava pregando um retiro no seminário de Recife logo antes do caso ter acontecido, e estou por dentro de toda a situação. Ali, a menina não corria nenhum risco de vida, a não ser, claro, o risco normal que significa uma gravidez nessa idade tão precoce. Mas não havia risco nenhum que justificasse o aborto e, no entanto, ela foi raptada por uma organização abortista; e se aproveitaram da mãe.<br /><br />Olavo - Quer dizer que o risco foi todo inventado por aqueles fulanos, eles que inventaram esse negócio? Não tinha nenhum atestado médico?<br /><br />Padre Paulo - Então, aí é que está. Havia toda uma pressão em cima do Hospital. Quando o Hospital viu que o pai da criança era contra o aborto, e que o aborto seria ilegal... Porque, veja só, infelizmente no Brasil existe essa possibilidade de um aborto legal, quando há um estupro ou risco de vida da mãe, mas no caso aqui eles precisavam ter o consentimento dos pais. O pai biológico da criança era contra o aborto, e no entanto eles pegaram a mãe, que é analfabeta, fizeram a mãe assinar com o polegar uns documentos de que ela não sabia o conteúdo, autorizando o aborto. O aborto foi não somente ilegal (pois foi contra o consentimento do pai, pois no caso dos pais não estarem de acordo seria necessário que a justiça se manifestasse) mas também foi clandestino, porque levaram a mãe e levaram a criança para uma clínica cujo paradeiro não se conhecia. Não escondendo do ascebispo de Recife, que todo mundo está dizendo que é malvado, etc. e tal, mas escondendo do pai da criança, que era contra o aborto. E a mãe também era contra o aborto. Só que acontece que eles convenceram a mãe, a pobre coitada, analfabeta, que a criança morreria se não fizesse o aborto. Então fizeram todos os procedimentos às pressas...<br />Agora, qual é o problema dessa história toda? O problema é que nós, na Igreja Católica, e aqui eu falo como padre, como quem conhece os bispos envolvidos, conheço perfeitamente D. José Cardoso, que é um homem de Deus... O pessoal não está entendendo que tudo isto está sendo capitalizado como uma vitória política contra a Igreja e a favor do aborto. Então, infelizmente, dentro da Igreja Católica não está havendo gente com coragem suficiente para enfrentar a situação e se colocar ao lado, claramente, de D. José. D. José cumpriu o seu dever. Claro, a gente pode questionar e dizer: "a forma com que ele falou não foi simpática", mas nós não estamos num concurso de Miss Simpatia. Nós estamos aqui diante de um arcebispo que é temente a Deus, ele sabe que tem o seu dever de pastor, que era não somente salvar a vida daquelas duas crianças inocentes, na barriga de uma outra criança inocente, mas o dever dele era também de esclarecer os fiés católicos da gravidade do crime.<br />Existe toda uma confusão dentro da Igreja e dentro do episcopado, porque os bispos não estão enxergando que, quanto maior a nossa timidez, mais esses abortistas vencem politicamente, porque a vitória que eles querem com esse caso todo não é somente a morte dessas duas crianças; eles querem uma vitória política, eles querem que o brasileiro aceite o aborto. Agora, noventa por cento da população brasileira é contra o aborto, e eles sabem disso. Falta a virtude da fortaleza, que é a virtude de eu me dispor a sair ferido de uma briga porque existe um bem maior em jogo. (...) Nós temos que cumprir o nosso dever, mesmo que isto nos custe, e é isto que precisa ser recordado para as pessoas da Igreja.<br />Esclarecendo, para as pessoas que estão ouvindo: a Igreja Católica é contra, absolutamente contra esse crime horrível que foi o estupro de uma menina, o abuso sexual de uma menina de nove anos de idade pelo seu padastro, a Igreja abomina isto, só que o culpado deste crime não foram as duas crianças inocentes que estavam na barriga da mãe.<br /><br />Olavo - Claro, então para proteger uma criança tem que matar duas? Que história é essa?<br /><br />Padre Paulo - Que matemática é essa? Que maluquice é essa? Só que a mídia cria todo um clima de histeria em cima da coisa porque querem capitalizar [o caso] contra a Igreja, [assim como] todas essas organizações, MacArthur, Rockefeller, despejando dinheiro no Brasil... O que é que a organização abortista no Brasil elegeu como navio quebragelo para conseguir que os brasileiros se dessensibilizem a respeito do aborto? O navio quebragelo que eles estão usando são os abortos legais. Por exemplo, em 1988, no Brasil, existia a possibilidade de abortos legais, só que os abortos não eram feitos, porque o brasileiro era contra o aborto, mesmo no caso de estupro, mesmo no caso de risco da mãe. Em 88 a fundação MacArthur despejou 36 milhões de dólares no Brasil para fazer clínicas de aborto!... (...)<br />O problema que a gente nota dentro da Igreja é que a maior parte dos bispos são homens bons mas não estão treinados para enxergar esse jogo político. Então, para eles, é uma questão somente de moralidade privada. Eles têm que ver que nós aqui saímos perdendo politicamente por causa da nossa timidez. Veja por exemplo as declarações da CNBB e do Regional Oeste II... A CNBB é um organismo para que os bispos consigam atuar mais ou menos em sintonia uns com os outros. Ela não fala em nome dos bispos do Brasil inteiro, ela fala somente em nome dela mesma. A CNBB é um grupo que ordena a ação geral dos bispos no Brasil. Quem tem autoridade sobre os bispos é o Papa, ou então o Concílio Ecumênico junto com o Papa. O que acontece é que a CNBB fez declarações corretíssimas. Só que as declarações são corretas demais; eles concluem a declaração dizendo assim: "não concordamos com o desfecho final, de eliminar a vida de seres humanos indefesos", quer dizer, está politicamente correto demais, gente.<br /><br />Olavo - Pois é, tá querendo agradar o mundo. Isso aí não é o que se chama "respeito humano", padre?<br /><br />Padre Paulo - É, é respeito humano.<br /><br />Olavo - É respeito humano colocado acima do dever de obediência a Deus. Isso aí não pode.<br /><br />Padre Paulo - Eles condenaram a coisa, só que tem que condenar de leve, não pode ferir os sentimentos, não pode magoar as pessoas.<br /><br />Olavo - É, pode magoar os sentimentos nossos. O sentimento dos católicos que vá pro brejo, né? Mas o sentimento do descrente, do abortista, ah, isso aí não pode tocar. Isso aí é o <span style="font-style: italic;">beautiful people</span> da mídia, do <span style="font-style: italic;">show business, </span>o pessoal se intimida diante dessa gente que não vale um tostão.<br /><br />Padre Paulo - Exatamente. Vamos supor: eu entro na sua casa, rapto a sua filha, praticamente - que foi o que aconteceu, foi um rapto -, mato duas crianças inocentes e [é dito]: "não concordo com o desfecho final". Tá meio fraco, né? As coisas precisavam ter sido ditas com mais clareza. Está corretíssimo, só que está correto demais. Você tem que chamar de assassinos.<br /><br />Olavo - Mas padre, me esclarece uma coisa. O senhor tinha me informado que a mídia deu uma ideia errada para as pessoas de que o Vaticano estava contra o bispo Cardoso, quando na realidade o Vaticano oficialmente o apoiou.<br /><br />Padre Paulo - Sim, o Vaticano apoiou D. José Cardoso. O cardeal <span style="font-size:100%;">Giovanni Batista Rè</span>, que é o cardeal da Congregação para os Bispos e responsável pelos bispos do mundo inteiro no Vaticano, ele fez uma nota oficial e fez várias declarações também para jornais apoiando D. José Cardoso, [dizendo que ele] estava corretíssimo. Agora, aconteceu uma coisa triste neste domingo. Saiu no jornal do Papa, o L'Osservatore Romano, que não é um jornal oficial, mas é um jornal oficioso - mas todo mundo interpreta aquilo como sendo opinião do Papa. Saiu uma coisa triste que foi um artigo de um arcebispo, D. Rino Fisichella, que é responsável pela defesa da vida lá no Vaticano. Eu conheço bem o D. Rino, ele foi meu professor em Roma. Ele é um homem bom. Mas certamente o D. Rino Fisichella está equivocado, ou seja, ele andou lendo as coisas pela mídia internacional, e você sabe que mídia não é coisa em que se confie, e ele fez um artigo defendendo o drama dos médicos, coitadinhos, que tiveram que fazer essa escolha terrível, escolher entre salvar a vida de duas crianças na barriga da mãe e salvar a vida da mãe... O problema não é esse. Essa escolha nunca existiu. Esse bispo está enganado. Ele está mal informado. (...) Esse bispo não pode dizer um negócio desses. "Ah, nós temos que respeitas os pobres dos médicos que tiveram um drama de consciência..." Não teve drama de consciência nenhum desse povo. (...) A mãe e as crianças foram praticamente levadas às escondidas por um grupo abortista, por causa de um risco que não existia - a mãe ignorante, analfabeta... Agora todo mundo cai em cima da Igreja Católica porque o bispo D. José lembrou uma lei que existe no Código de Direito Canônico, que é o fato de que quem comete aborto consciente de que está cometendo aborto está excomungado. (...) Aí [na mídia] começaram a perguntar: "então quer dizer que a mãe da criança está excomungada?" Aí, D. Dimas, da CNBB, esclareceu: "não, a mãe não está excomungada", porque a mãe, coitada, foi enganada. Aí, pronto, já alardeia pra todo mundo: "a CNBB nega que houve excomunhão. Isso é má fé. E nessas organizações proabortistas, se ainda tiver alguém que se acha católico dentro delas - [saibam que] estão todos excomungados. Isso é automático. (...) Por que é que a Igreja faz isso? O homicídio é uma coisa que deveria ser punida pelo código penal civil de cada país. A Igreja não excomunga o assassino que entra numa casa e mata alguém. Por que? Porque já tem a lei dos homens que faz isso, que já põe ele na cadeia. A Igreja decidiu colocar essa pena de excomunhão com relação ao aborto porque as legislações civis, as legislações humanas estão fracas. Em muitos países o aborto é legal.<br /><br />Olavo - Aqui [nos Estados Unidos], padre, calcula-se que já houve 50 milhões de abortos desde que aprovaram aquela porcaria daquela sentença Roe vs. Wade. O pessoal está concorrendo com o título de Stalin. Mas ainda tem um outro aspecto aí, padre: esses casos de ataque sexual a meninas, quase todos acontecem em casas de mães solteiras que vivem com o amante. Na família regularmente constituída isso é raríssimo. Então esse mesmo pessoal dito "progressista", que quer esculhambar com a família, eles estão criando essa situação e em seguida eles mesmos acusam os outros. Quer dizer, eles fazem o serviço do diabo, eles dão a tentação e depois dão a acusação. Isso já não é mais nem maldade humana, isso é maquiavelismo diabólico.<br /><br />Padre Paulo - É, realmente. A coisa é diabólica. (...) Eu queria lembrar uma coisa: o governo e essas fundações internacionais estão usando os abortos legais, que são previstos no código penal, numa interpretação laxa, ampla, pra aumentar o número de abortos e, assim, ir dessensibilizando o brasileiro. Então, o que acontece? Hoje, em todas as grandes capitais e nas cidades maiores existem vários hospitais credenciados para fazer o aborto legal. E o que acontece? Eles não têm muitos escrúpulos, não. Uma pessoa chega lá e diz:"olha, eu fui estuprada", apresenta uma documentação mínima e se faz o aborto legal.<br /><br />Olavo - Aqui está mais fácil ainda, padre. Aqui chega uma menina de treze anos na Planned Parenthood e diz: "fui estuprada". Foi estuprada nada, transou com o namorado; aí eles imediatamente fazem o aborto e não querem avisar o pai e a mãe. São milhares de casos que eles esconderam da família.<br /><br />Padre Paulo - E se a gente não cuidar, no Brasil a gente vai terminar desse jeito. Então, o importante aqui é nós ficarmos do lado de D. José Cardoso. Porque infelizmente existe também toda uma situação interna da Igreja que é o seguinte: D. José Cardoso é o sucessor de D. Hélder Câmara, que todo mundo sabe que é um medalhão, um ícone da Teologia da Libertação. Não me interessa aqui julgar pessoalmente D. Hélder Câmara enquanto pessoa. Me interessa só o seguinte: ele realmente promoveu a Teologia da Libertação e deu asa a muito marxista dentro da Igreja, e isso foi um crime. Esse ato foi errado, esse ato foi criminoso, isso é um negócio que não tem cabimento dentro da Igreja, isso clama aos Céus, dar cidadania dentro da Igreja para marxista - isso é uma desgraça. O que acontece é que D. José Cardoso foi nomeado há vinte anos atrás arcebispo de Recife e Olinda, sucessor de D. Hélder Câmara. Então, o que aconteceu? Tudo quanto é comunista em Recife e Olinda odeia D. José Cardoso e está esperando ele ir embora. Ele, no ano passado, completou 75 [anos], e agora está todo mundo criando esse escarcéu ao redor do nome dele por duas razões: primeiro porque eles querem promover o aborto, mesmo, mas também tem pouca gente dentro da Igreja defendendo D. Cardoso porque "ele não foi sensível à herança bonita, maravilhosa, de D. Hélder". Então existe esse ódio contido, não expresso, não dito, contra D. José Cardoso. E o pessoal está exultando de alegria que ele agora esteja sendo fritado pela mídia internacional, e é uma espécie de recado: "olha só, Vaticano, pense bem, Papa Bento XVI, na hora de nomear um novo arcebispo de Recife não mande um cara conservador de extrema direita como D. José Cardoso"...<br /><br />Olavo - Porque pra eles tudo que não é comunista é de extrema direita.<br /><br />Padre Paulo - Exatamente. Uma coisa que você faz muito bem em dizer no seu programa, Olavo, é exatamente isto: que é dever de todo cristão ser anticomunista.<br /><br />Olavo - Não apenas ser anticomunista no coração, mas lutar, mesmo. Pio XII dizia: "lutar com o sacrifício da própria vida contra o comunismo".<br /><br />Padre Paulo - Exatamente. E não tem que ficar preocupado se a gente sai queimado na foto, não, entendeu? Se tem que dar a vida, como Pio XII disse, então a gente tem que dar também o nome, tem que sair mal falado... Porque nós temos aí um inimigo enorme, que está dentro da Igreja, disfarçado, querendo destruir a Igreja. Graças a Deus existe gente boa dentro da Igreja, existem padres e bispos bons, só que acontece o seguinte: ser bonzinho só não adianta, a gente tem que acordar. Os bons têm que mostrar que são bons odiando o mal e o combatendo. Não adianta nada essa bondade. Nós temos que combater mesmo. E essa realidade de combate com relação a esse caso de aborto, e todo aborto, se tem mais padres ouvindo o programa, eu peço a você, padra, pelo amor de Deus, faça homilia, conscientize o povo dessa verdade: o crime de estupro que a menina sofreu é um crime enorme, mas o criminoso não são as duas crianças que estão na barriga da mãe, as duas crianças que foram mortas são inocentes. E o que é pior ainda é que estão capitalizando isto e colocando na Igreja uma pecha de Igreja medieval, de Igreja contrária à tolerância, de Igreja intolerante, para conseguir fazer com que as pessoas tenham antipatia à Igreja e tenham mais abertura ao aborto. De repente, o Brasil inteiro está aprovando um aborto de duas crianças no quinto mês de gravidez. Isso é um absurdo. É monstruoso. (....) Eu disse [numa homilia que o Pe. Paulo fez na catedral de Cuiabá, cujo link está na postagem anterior]: Eu estou envergonhado de ser brasileiro. Que um país inteiro assista ao assassinato de duas crianças e todo mundo fique com raiva da "Igreja medieval". Olha, eu estou junto com D. José Cardoso, nós podemos ser xingados o quanto for, podem xingar, nós vamos continuar recebendo os xingamentos e defendendo os filhos de vocês. (...) É importante que a gente entenda que, com relação a isso, não tem negociação. Nós estamos falando de um crime que clama aos Céus, e não tem essa coisa de passar a mãozinha na cabeça. Não é adequado chegar e dizer: "ah, eu não concordo com o desfecho". Mas que desfecho, gente? Esse assassinato clama aos Céus, isso é um crime hediondo, uma coisa terrível! É assim que tem que dizer. Porque esse bom-mocismo não vai dar em nada. É aquilo que você diz: o brasileiro está confundindo ética com estética. Padres, pelo amor de Deus, vamos denunciar, vamos abrir a boca. Você foi feito padre pra isso. Um dia você vai estar diante do trono de Deus...<br /><br />Olavo - Exatamente. E Deus vai pedir satisfação: o que é que você fez lá, com o mandato que eu te dei?<br /><br />Padre Paulo - O que é que você fez do seu sacerdócio? Você defendeu você mesmo a vida inteira? Nós temos que ter a consciência de que padres e bispos são seres humanos com a alma em perigo. Nós temos um mandato de Deus, mas que põe a nossa alma em perigo se nós não formos fiéis a isso. Então tem que para com essa bobagem... Eu não sei porque é que católico, no Brasil, criou essa idéia frouxa de que, porque é padre e bispo, não é criticável. Ninguém pode criticar um padre ou um bispo.<br /><br />Olavo - Pode criticar até Papa!<br /><br />Padre Paulo - Pode!<br /><br />Olavo - Pode, e às vezes tem o dever de fazê-lo.<br /><br />Padre Paulo - Exatamente. Santa Catarina de Sena escrevia para o Papa dizendo: o senhor seja homem, volte pra Roma. E o Papa ouviu, isso que é o mais interessante. O Papa ouviu. Santa Catarina de Sena era uma leiga, não era nem monja de clausura, era de uma ordem terceira, dominicana. Era uma leiga que escrevia para o Papa e dizia: o senhor seja homem e volte pra casa, cumpra o seu dever!<br /><br />Olavo - Então está bom. Muito obrigado pela sua participação que certamente elevou o nível do meu programa, que pelo menos diminuiu o número de palavrões por minuto.<br /><br />Padre Paulo - Tá bom. Deus abençoe você e abençoe os seus ouvintes.Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-43281286664388843952009-03-21T02:04:00.006-03:002009-03-22T00:36:55.951-03:00O terno GuevaraDepois dos Diários de Motocicleta, Che volta às telas em uma produção espanhola dirigida por Steven Soderbergh. Para equilibrar um pouco a sua imagem do <span style="font-style: italic;">santo-guerrilheiro</span> argentino, veja a produção independente "<a href="http://www.youtube.com/watch?v=OdsMLJwPDMA">Guevara: Anatomía de un Mito</a>", <span>dirigido por Luis Guardia, uma produção </span><span>da Caiman Productions e do Instituto de la Memoria Histórica Cubana.<br /><br />Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás.<br /></span>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-84095849434453084322009-03-09T05:00:00.009-03:002009-03-27T01:51:24.185-03:00Aborto em RecifeVocês devem estar acompanhando esse caso do aborto de duas crianças em Alagoinha.<br /><br />Quando vi a declaração do arcebispo de Olinda e Recife sobre a excomunhão dos envolvidos no aborto, pensei que ele não precisava fazer essa divulgação pública e midiática. Pareceu-me um caso difícil, envolvendo problemas de consciência delicados. A menina tem nove anos, estava grávida de gêmeos... Talvez essa gravidez pusesse de fato sua vida em risco... Fazer publicidade dessa excomunhão só traria confusão e abriria uma porta para os abortistas aproveitarem para divulgar suas práticas infanticidas, e para os detratores da Igreja jogarem mais pedras e insultos sobre ela.<br /><br />De fato, foi o que aconteceu. A imprensa, ou por ignorância ou por má fé, aproveitou-se do incidente, dando a impressão de que a excomunhão num caso como este é uma espécie de pena aplicada pelo arcebispo, quando na verdade ela é automática - quer dizer, D. José apenas divulgou um fato consumado, e não aplicou (ou "distribuiu", como disse a Folha de São Paulo em editorial) a excomunhão. O Jabor aproveitou para sentar o pau no papa Bento XVI e para falar das "trevas da Idade Média" (certamente em contraposição à Idade Luminosa em que nos coube viver). Até o presidente Lula ("como cristão e como católico") sentiu-se no direito de passar um pito no arcebispo.<br /><br />Entretanto mudei de opinião sobre a falta de tato do arcebispo quando li o relato do padre Edson Rodrigues, pároco de Alagoinha, que acompanhou pessoalmente o caso. Os pais da menina foram criminosamente manipulados, a menina foi raptada por organizações abortistas e o aborto dos dois bebês de cinco meses de idade foi realizado. <a href="http://padreedson.blogspot.com/">Leiam vocês mesmos</a> e tirem suas conclusões. E se quiserem entender a posição da Igreja sobre o caso, ouçam também a <a href="http://www.padrepauloricardo.org/"><span style="text-decoration: underline;">homilia</span></a><a href="http://www.padrepauloricardo.org/"> do Padre Paulo Ricardo</a>.Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4790665090796363175.post-7248018275547652582008-11-07T17:22:00.006-02:002010-07-17T00:58:26.196-03:00Uma conversa sobre processos de criação - julho/2007Uma conversa na Mostra Experimentos - TUSP sobre o processo pedagógico da montagem de O Processo, de Franz Kafka, no Departamento de Artes Cênicas da Unicamp.<br /><br /><br /><object width="190" height="170"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/AEMHRQIpLoI&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/AEMHRQIpLoI&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="190" height="170"></embed></object><br /><br /><object width="190" height="170"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/K1C79n4tIb0&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/K1C79n4tIb0&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="190" height="170"></embed></object><br /><br /><object width="190" height="170"><param name="movie" value="http://www.youtube.com/v/6s2zW4KdhhY&hl=pt-br&fs=1"><param name="allowFullScreen" value="true"><param name="allowscriptaccess" value="always"><embed src="http://www.youtube.com/v/6s2zW4KdhhY&hl=pt-br&fs=1" type="application/x-shockwave-flash" allowscriptaccess="always" allowfullscreen="true" width="190" height="170"></embed></object>Mallethttp://www.blogger.com/profile/14590675965129053451noreply@blogger.com0